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quinta-feira, 20 de março de 2014

Água na fervura

Por Gonçalo Nascimento Rodrigues
Out of the Box
Main Thinker

OTBX, Consultoria em Finanças Imobiliárias, Lda.
Managing Director






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Mais um ano que acaba, outro que começa. Para quem já acompanha este blog há alguns anos, sabe que gosto sempre, no início de cada ano, de fazer um breve balanço do que se passou no ano anterior, e procurar perspectivar algo para o ano que se inicia. Gosto também de revisitar o que escrevi, sobre este mesmo assunto, há 1 ano atrás. Vamos por partes:


O que dissemos de 2013?

Lembro-me bem de há 1 ano Portugal estar a atravessar um clima de enorme desconfiança, desilusão, descontentamento. Todos esperávamos um ano horrível e o nosso Ministro das Finanças da altura, pouco ajudava com "um brutal aumento de impostos".

Mesmo assim, fui dos poucos que não me deixei levar por tanto negativismo. O meu artigo de há 1 ano, "The Big If" apresentava uma perspectiva mais optimista que a grande generalidade do mercado. Suspeitava já de uma recuperação do PIB, de algumas vendas oportunistas com recuperação do investimento no imobiliário comercial, de compras de casas para arrendamento por parte de pequenos investidores.

O que nos trouxe 2013?

Curiosamente, já no último semestre de 2013, observamos uma recuperação do PIB, uma descida da taxa de desemprego e um claro aumento da confiança dos investidores. O final do ano trouxe-nos algumas operações relevantes de investimento imobiliário, uma delas a "roçar" o oportunístico.

Além da confirmação de algumas das minhas suspeitas, o ano de 2013 foi bom para a mediação imobiliária em Portugal. A venda de Golden Visas, depois das vendas de imobiliário mal-parado na Banca, de "buy-to-lets" e do aumento das operações de arrendamento, vieram fechar o ano em grande, pelo menos bem melhor do que 2012.

Os preços na habitação, genericamente, mantiveram a sua tendência de queda, com alguma estabilização já para o final do ano. No sector de escritórios, as rendas continuaram a cair, à luz do que vinha a acontecer nos anos anteriores, e o mercado bateu um mínimo histórico de take-up.

E 2014, como será?

Como grande Sportinguista que sou, aproveito as sábias palavras do meu Presidente Bruno de Carvalho, e adopto-as também para o imobiliário: «Não é possível passarmos do pior ano de sempre para o melhor ano de sempre.».

A partir do 2º semestre deste ano, teremos de aprender a ser auto-suficientes. Não teremos mais empréstimos da Troika. No entanto, mantemos um défice das contas públicas superior a 4%. Em 2014 e 2015 manteremos esse défice, na ordem dos 3%-4%. Este "buraco" tem de ser financiado e as yields de mercado secundário terão de continuar a cair. Financiar os próximos anos a um juro a rondar os 5% não será conta fácil de pagar. E com o PIB a crescer tão pouco, a dívida pública só aumentará ainda mais (em % do PIB).

Com isto, pretendo simplesmente chamar a atenção para algumas pessoas que não é possível, pura e simplesmente, que os preços desatem a subir, que as vendas comecem a escalar, que o crédito volte a aparecer, que os investidores desatem a comprar, que as yields desçam sustentadamente e que o mercado, como que num toque de magia, volte ao que era antes. Não vai acontecer!

Vejo alguma euforia no mercado, confesso-vos. Acho que é hora de pôr alguma água na fervura. O nosso mercado imobiliário é pequeno, ilíquido, onde fácil e rapidamente qualquer movimento extraordinário da procura é rapidamente satisfeito pela oferta que ainda é abundante. Foi assim com os buy-to-let; foi assim com o arrendamentos; será assim com os Golden Visa.

Todos estes movimentos da procura, muito importantes, é certo, são fugazes no tempo. Por outro lado, não existe nenhum mercado imobiliário desenvolvido no Mundo que seja sustentável sem uma procura interna residente, sólida e em maioria. A verdade é que a escassez de crédito - que assim continuará -, o aumento da emigração e a perda de poder compra não são factores favoráveis à "criação" de um mercado interno de procura de imobiliário residencial. Pelo menos, aos preços actuais.

Temos ainda algumas reformas estruturais para fazer. A reabilitação urbana ainda não é uma realidade. E por muito que algumas figurinhas do nosso mercado achem que as casas vão desaparecer e temos que desatar a construir outras novas, a verdade é que ainda vai levar um bom "par de anos" até que o mercado volte a estabilizar. É bom que não tenhamos nova oferta tão cedo, é bom que a procura actual e futura seja satisfeita com a oferta existente. E se essa oferta não se coaduna com as exigências da nova procura, pois então reabilite-se.

Assim, julgo que o 1º semestre do ano confirmará a tendência do 2º semestre de 2013, mas depois o mercado abrandará as vendas residenciais. A partir dai, julgo que entraremos num período de estagnação, com poucas transacções e pouca oscilação de preços.

Quanto ao investimento em imobiliário comercial, parece-me que a tendência será similar. Poderemos ver mais algumas importantes operações mas parece-me que o mercado não crescerá muito face ao que vimos acontecer em 2013.

No que respeita ao sector de escritórios, tenho enormes dúvidas sobre o que irá acontecer. O mercado passou por 3 anos extremamente complicados. Durante este período de tempo, a procura privilegiou redução de espaço e rendas mais baixas. As empresas renegociaram aquilo que conseguiram e o mercado sofreu com isso: take-up's em mínimos históricos, rendas médias sempre a cair, áreas médias ocupadas cada vez mais baixas. Em 2014, o sector dependerá bastante de novas empresas a chegar ao mercado. Só com mais e novas empresas é que o mercado de escritórios conseguirá recuperar.

Por fim, chamo só a atenção a um pormenor: 2014 é ano de eleições europeias. Do ponto de vista político, é importante fazer passar a ideia que a Europa está num bom momento, e num movimento de crescimento económico. Em 2015, teremos eleições legislativas em Portugal. A política mexe muito com a economia, tendo naturais reflexos no mercado imobiliário. Só se deixa enganar quem quer.

Bons negócios (imobiliários)!

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