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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

As culpas e os culpados

Quando, daqui por dois, três anos, se verificar que o último reduto de investidores estrangeiros em Portugal já não existe, convém lembrarmo-nos do que se está a passar no último ano para não termos dúvidas sobre a identidade dos culpados.

Já em artigos anteriores, quando António Costa era presidente da Câmara, chamei a atenção para as suas declarações relativamente à lei do arrendamento urbano e as reformas que anunciava fazer quando chegasse ao poder. Chamei também a atenção para os entraves que a câmara que ele presidia opôs a diversos projectos de reabilitação urbana.

E assim aconteceu: não há sector mais ameaçado desde que António Costa chegou ao poder, suportado por comunistas e bloquistas, que o imobiliário, precisamente aquele em que - se contabilizarmos o turismo - mais investimento canalizou nos últimos cinco anos.

Basta olharmos, por exemplo, para Lisboa e o Porto e ver como estão agora e como estavam há cinco anos. Parecem cidades diferentes. O que mudou? Uma lei do arrendamento iníqua, que, ao manter o congelamento das rendas anteriores a 1974, ao perpetuar os arrendamentos antigos, depauperar os proprietários e inviabilizar qualquer iniciativa de investimento, transformou as cidades em cenários de geriatria e decadência e empurrou os habitantes mais novos para os subúrbios.

Com o NRAU, em 2012, que só foi possível por virtude do compromisso assinado pela Troika, em poucos anos fizeram-se verdadeiros milagres: conseguiram-se actualizações de renda nalguns casos perto de valores de mercado (ainda que fixadas administrativamente...), terminaram-se contratos eternos, conseguiu-se despejar quem até então nunca poderia ser despejado, limparam-se edifícios de comércios arcaicos e medíocres, que não existiam pelo lucro que geravam, mas só pela renda iníqua que pagavam.

Fruto destas mudanças legislativas no arrendamento urbano, de um enquadramento fiscal favorável para a domiciliação fiscal em Portugal de pessoas que não tivessem vivido aqui nos últimos 5 anos (o regime do RNH – Residente Não Habitual), e dos famosos golden visa (que como se sabe, tinham como um dos requisitos mais populares, a aquisição de um imóvel de valor superior ou equivalente a 500.000 euros) e de uma tributação fiscal muito competitiva para as actividades hoteleiras, incluindo a modalidade de alojamento local, assistiu-se a uma verdadeira Primavera Imobiliária, em que, pela primeira vez em décadas, estrangeiros e portugueses canalizaram as suas poupanças para a aquisição e remodelação de imóveis no centro das cidades.

Claro que, para além destas causas, existem outras, externas, que não estão no nosso controle, como as baixíssimas taxas de juro, o cerco internacional aos paraísos fiscais, a grande insegurança associada às aplicações financeiras, a proliferação do Islão radical e do terrorismo em diversas capitais europeias e países do Norte de África, ajudaram muito a recuperação e o investimento no imobiliário português.

Embora no horizonte pairassem sempre as ameaças e o rancor das esquerdas aos proprietários, aos burgueses e aos mercados, os negócios foram-se fazendo, e os investidores desenharam os seus orçamentos (os seus “business plans”) e adquiririam imóveis, com o intuito de obter determinadas rentabilidades que dependem, essencialmente, da estabilidade e certeza de uma série de premissas. Como em qualquer investimento.

Ora, é neste ponto, precisamente, que o Governo e actuais parceiros se têm dedicado a minar as contas dos investidores, actuais, potenciais e futuros, dando-lhes todo o tipo de razões para se porem ao fresco e não mais procurarem fazer negócios em Portugal.

Façamos aqui um apanhado de todos esses factores de desestabilização:
  • Em primeiro lugar, evidentemente, o tema quente da ordem do dia: o anúncio feito pelo Bloco de Esquerda de um imposto especial sobre o património imobiliário superior a 500.000 euros, que se estima venha a ser cobrado anualmente, em paralelo com o IMI, no valor correspondente a 1% do valor do património em causa – um verdadeiro esbulho dos proprietários e um “murro no estômago” dos investidores, gerando um significativo desvio orçamental que pode por em causa vários projectos de investimento;
  • As alterações propostas ao NRAU, que incluem:
    • Vedar aos senhorios a denúncia do arrendamento, em caso de obras de remodelação, no caso de lojas interesse histórico ou cultural;
    • Alargar para 10 anos o regime transitório de actualização de contratos de arrendamento no caso das ditas lojas de interesse histórico ou cultural (uma verdadeira aberração, injusta, anti-concorrencial, que vai permitir um sem número de arbitrariedades);
    • “Tirar o tapete de debaixo dos pés” dos senhorios que esperavam, no final de 5 anos de período transitório na actualização de arrendamentos de inquilinos com vencimento anual inferior a 5 remunerações mínimas (€33.950!) poder passar a receber um valor de renda equivalente a 1/15 do valor patrimonial do prédio – estima-se agora que esses senhorios venham a suportar, durante um período adicional de mais cinco anos, as carências económicas dos seus inquilinos;
  • A criação de um Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, em que o mesmo Estado que não tem dinheiro para pagar aos senhorios o valor que estes suportam com a limitação de actualização de rendas dos inquilinos com rendimentos reduzidos, vai concorrer com os privados na reabilitação urbana, “podendo nomeadamente recorrer, em situação de igualdade, aos programas e aos instrumentos financeiros disponibilizados pelo Estado e pelas demais entidades públicas para fins de reabilitação urbana e de arrendamento habitacional”, como se lê na Resolução do Conselho de Ministros que cria este Fundo.

Neste último ponto, assistimos ao despudor total de pessoas que, sentindo que lhe estão a fugir das mãos negócios interessantes em transacções imobiliárias, agindo sob a égide do Estado, e arrogando-se da necessidade de obter arrendamento a preços acessíveis no interior das cidades, promovem abertamente a concorrência desleal, o assalto aos dinheiros dos contribuintes e a deturpação do mercado da reabilitação, que, ainda que com diversas limitações, conseguiu, em pouquíssimos anos, revolucionar a qualidade urbanística das duas principais de cidades do País.

Qualquer um destes elementos acima referidos é desastroso para a estabilidade que se exige a um investimento imobiliário. A proposta de alteração, num período de três anos, de várias das premissas jurídicas e fiscais recentemente criadas em torno do imobiliário, reformulando as regras do jogo e a forma de tributação, só podem gerar, no investidor racional, o impulso urgente a de transferir os negócios para jurisdições mais sérias.

Há pessoas que não percebem ou querem perceber que o mercado é global e não tem fronteiras: quem tem dinheiro, aplica-o no país ou jurisdição que lhe oferecer melhores condições. Qualquer medida restritiva é imediatamente percebida pelos investidores com a máxima desconfiança e todos desinvestem antes que o cenário piore. E assim, quem perde, no fim, é apenas quem fica. Que não são os investidores, mas aqueles  portugueses, mais velhos ou cansados, que já não têm forças para fugir.

Quando já não há nada a fazer, é importante, pelo menos, manter os olhos abertos. Para um dia, mais tarde, sabermos quem foram os culpados.

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Por Francisco Silva Carvalho
Advogado

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