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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Buy-to-Let-to-Give

No Reino Unido, o enquadramento legal do regime de propriedade do imobiliário é bastante diferente do praticado em Portugal pois uma propriedade pode ser detida de 3 formas:

1) Freehold ou propriedade total: o proprietário detém a casa e o terreno e como tal é responsável por todos os custos associados à sua manutenção mas também beneficia da valorização do imóvel;


2) Leasehold ou propriedade parcial e temporal: o proprietário da casa não detém o terreno e o proprietário do terreno não usufrui da casa. O proprietário do leasehold beneficia do usufruto da casa por um período de tempo, findo o qual esse direito reverte em favor do proprietário do terreno.

Em teoria, o valor do leasehold é o valor actual das rendas futuras associadas à propriedade transacionada e é largamente condicionado pela duração do leasehold. No extremo, o valor de um leasehold de longo termo (mais de 100 anos) é próximo do valor de mercado de uma propriedade semelhante em freehold. No entanto, aquando da aquisição de uma propriedade em leasehold, o investidor deverá ter em consideração a duração remanescente do leasehold, os custos de manutenção acordados com o detentor do freehold e a renda associada ao terreno onde a casa está implantada. O leasehold é então próximo de um contrato de aluguer de longa-duração, mas em que as rendas (ou o valor actual das rendas futuras) são pagas no momento da celebração do contrato;

3) Share of freehold é um regime misto.
Ora, a InvestLisboa esteve recentemente em Londres a promover alguns dos programas de fomento do investimento imobiliário em Lisboa e um deles, o Programa Renda Acessível, tem características semelhantes ao regime de leasehold.

O Programa Renda Acessível prevê que privados construam/reabilitem casas, em terrenos da CM Lisboa, com a finalidade de as arrendarem a preços controlados por 35 anos, findo os quais, o município recupera os imóveis. Ou seja, o investidor adquire um leasehold e no final de 35 anos a CM Lisboa passa a ser o proprietário do freehold. Digamos que este é um buy-to-let-to-give, em que esta última característica do contracto altera significativamente o perfil de risco do investimento.

Apesar de não ser comum ver-se este tipo de transações no mercado imobiliário em Portugal, o modelo não é novo e importa analisar o perfil de risco e a rendibilidade esperada do investimento, pois o sucesso deste programa dependerá acima de tudo do equilíbrio destes 2 factores.

(NOTA: O modelo de leasehold é semelhante ao modelo de concessões de bens públicos tão comuns nas parcerias pública-privadas e em áreas como as telecomunicações, auto-estradas, águas, etc)

Para a avaliação deste negócio, e na ausência de estimativas mais rigorosas, vou usar os valores adiantados pela CM Lisboa. A câmara refere que prevê a construção/reabilitação de 520 mil m2 para habitação e estima um investimento de € 681 milhões em obras de construção. Daqui decorre que o custo estimado de construção por m2 é de € 1.310 (= € 681.000.000 / 520.000 m2). 

Os apartamentos serão depois arrendados a preços acessíveis e os seguintes valores são adiantados:

Tabela 1: Renda mensal por tipologia

Sendo conservador e assumindo que o T0 terá 40m2, o T1: 55m2 e o T2: 70m2 e que mais nenhuns custos serão suportados pelo investidor e que a taxa de ocupação será de 100% ao longo dos 35 anos (e que nunca haverá ações de despejo ou problemas de solvência dos inquilinos) as yields antes de impostos rondam os 5.8%. Visto que a propriedade do imóvel nunca será total, não há lugar a considerações sobre as mais-valias.

Tabela 2: Gross yield por tipologia

Uma análise de sensibilidade a algumas destas variáveis permitir-nos-á ter uma melhor noção sobre o risco/retorno deste investimento. (Vou centrar-me apenas na tipologia T1 visto que as outras tipologias oferecem níveis de rendibilidade semelhantes.)

Desconhecendo que tipo de benefícios a CM de Lisboa dará a estes investidores mas assumindo que haverão alguns, assumo, por exemplo, que os custos de manutenção serão de apenas 10% do valor potencial das rendas e que não haverá pagamento de IMI e outros custos de licenciamento. Todos estes pressupostos são susceptíveis de crítica mas com este exercício pretendo acima de tudo reflectir sobre o perfil de risco/retorno do investimento.

Tabela 3: Análise de sensibilidade

A análise de sensibilidade apresentada na Tabela 3 aponta para rendibilidades esperadas entre os 4.5% e 7.5%, o que não difere muito das rendibilidades do buy-to-let.

Mas será o buy-to-let a actividade benchmark adequada? Na actividade buy-to-let, o risco/retorno do investimento deriva das yields praticadas e das taxas de crescimento esperadas das rendas, estando o investimento exposto à evolução dos preços dos imóveis e à actividade de arrendamento… havendo upside e downside.

Contudo, com o buy-to-let-to-give, a distribuição das rendibilidades é altamente enviesada para a esquerda, pois o upside é limitado e o downside ilimitado (ou limitado ao investimento efectuado). O upside é limitado porque os investidores não detêm o freehold e logo nunca poderão beneficiar da valorização da propriedade e porque haverá sempre pressão pública para manter as rendas abaixo dos valores de mercado. Por outro lado, o downside é ilimitado porque se o mercado de arrendamento deixar de funcionar por completo, o que em teoria é possível dado o excesso de propriedades disponíveis em Portugal, o investidor poderá ter uma rendibilidade de -100%. Teremos ainda de considerar a pressão pública para que as rendas destas habitações sigam os valores de mercados quando o mercado desce mas não quando sobe.

Assim sendo, temos um investimento que tem um perfil de risco mais próximo do de uma obrigação do que do imobiliário. O investimento tem uma taxa de rendibilidade esperada que é função da renda fixada pelo município (com dúvidas sobre as condições em que estes valores serão actualizados), quase como o cupão de uma obrigação, e que é imune ás variações do prémio de risco do imobiliário, pois as variações de valor do imobiliário permanece no detentor do freehold.

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Por Ricardo Pereira
InProp Capital Fund

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