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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Alojamento local e arrendamento: comparação em IRS – Parte II

Num primeiro texto tratámos da tributação do rendimento das actividades correntes de alojamento local e arrendamento tradicional; neste segundo, abordaremos a fiscalidade dos ganhos da alienação dos imóveis a elas afectos. 

No âmbito do arrendamento em regime “particular”, quando um sujeito passivo aliena um imóvel, ele é tributado exclusivamente no âmbito da Categoria G (usualmente designada por “Mais-valias”).

Já se o contribuinte aliena um imóvel afecto à Categoria B – tanto no âmbito da actividade de alojamento local como na de arrendamento em regime “empresarial” – ele é tributado, no momento da venda, e por esse facto, em duas categorias: na G e na B, por duas mais (ou menos) valias distintas.

Na afectação do imóvel à Categoria B há lugar ao apuramento de uma mais-valia da Categoria G, como se de uma venda do “eu particular” ao “eu empresarial” se tratasse, a qual fica, no entanto, suspensa de tributação até ao momento da posterior transmissão do imóvel por esse “eu empresarial” a um terceiro – cfr. artigo 10.º, n.º 3, alínea b). Neste último momento existirá uma outra mais-valia, desta feita da Categoria B. Ilustremos:

O Sr. X adquire um imóvel, no âmbito da sua esfera particular, por € 100.000,00. Afecta posteriormente tal imóvel à sua actividade empresarial, atribuindo-lhe um valor de € 120.000,00, correspondente ao respectivo valor de mercado a essa data. Mais tarde, aliena o mesmo imóvel a terceiro por € 150.000,00, altura em que realizará os seguintes ganhos:

a) em sede de Categoria G: [120.000,00 – (100.000,00 x coeficiente de desvalorização monetária)] x 50%;

b)1) em sede de Categoria B: (150.000,00 – 120.000,00) x 0,95 (no âmbito do regime simplificado); ou

b)2) em sede de Categoria B: [150.000,00 – (120.000,00 x coeficiente de desvalorização monetária)] (no âmbito do regime da contabilidade organizada).

Tais rendimentos, apurados em sede das Categorias G e B, serão posteriormente englobados e tributados às já referidas taxas gerais e progressivas do IRS.

Como o ganho na Categoria G é apenas tributado pela metade, ao contrário do que sucede na Categoria B, uma correcta avaliação do valor de mercado do imóvel no momento da afectação à actividade empresarial é crucial para potenciar a eficiência fiscal aquando da eventual ulterior alienação do mesmo.

Segundo a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 passam também, por opção dos respectivos titulares, a poder ser tributados em sede de Categoria F (“Rendimentos prediais”), as importâncias relativas à exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento, ao invés de o serem na Categoria B.  No entanto, esta opção, que pode ser exercida anualmente, não parece contrariar a ideia de que o imóvel afecto ao alojamento local transita sempre da esfera do “eu particular” para a do “eu empresarial”, para efeitos de tributação de mais-valias.

Em conclusão da análise realizada pode-se com segurança afirmar que (i) o alojamento local, em particular o de moradia ou apartamento, e o arrendamento tradicional são realidades economicamente distintas, embora próximas, (ii) com regimes fiscais diferenciados, (iii) em que o contribuinte dispõe de opções que permitem um grau razoável de adequação às especificidades do seu caso concreto, (iv) não sendo nenhum desses regimes absoluta ou necessariamente o melhor.  

Como nota final, advirto que o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local é recente, tendo sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto, mas foi já modificado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de Abril, e antecipam-se novas alterações. Quanto ao Código do IRS, ele foi objecto de uma recente reforma, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, e depois disso já foi alterado três vezes, avizinhando-se uma quarta no contexto do Orçamento de Estado para 2017.

O regime do alojamento local impõe uma série de requisitos, que implicam, em muitos casos, avultados investimentos. Estes devem poder ser realizados com base em expectativas de estabilidade, quanto aos regimes regulatório e fiscal, sob pena de violarmos o princípio constitucional da segurança jurídica, e de estafarmos os agentes económicos mais dinâmicos e empreendedores com constantes custos de monitorização legislativa, adaptação e cumprimento. Ainda não digerimos bem a reforma do Código do IRS. Provavelmente o Fisco e os contribuintes não estão ainda a aplicar com perfeito rigor e conhecimento o normativo existente. Estamos permanentemente a alterar o que ainda não digerimos, aplicámos e avaliámos devidamente, durante um período razoável. Viver todos os dias cansa, como escreveu Pedro Paixão, mas em Portugal e deste modo cansa muito mais…

PS: Agradeço aos meus Colegas Drs. Ana Rita Pereira e Carlos Alcântara Neves o auxílio na elaboração deste texto.

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Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
Sócio-Administrador da RPBA (Ricardo da Palma Borges & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.)
ricardo@rpba.pt

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