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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Arrendamento ou compra: o processo de decisão

A decisão de comprar ou arrendar um imóvel é das mais importantes que alguém ou uma família pode tomar, pois a prazo poderá ter um impacto decisivo na sua vida.

Ao longo dos mais de 20 anos que estou ligado ao sector imobiliário, tenho visto este assunto ser tratado com alguma leviandade, julgo que devido à massificação e facilidade com que hoje se transacionam imóveis e à pressão para “fechar” negócios. Muitos clientes olham para uma prestação, e se é comportável no momento, tomam a decisão de avançar para a compra. Durante a década de 90 alguns Bancos tinham uma modalidade de crédito à habitação muito procurada na qual a prestação dos primeiros 2 anos era mais baixa do que deveria ser na realidade e a partir do terceiro ano ajustava. O que acontecia era que os clientes olhavam para a primeira prestação e se era comportável avançavam com o negócio, mesmo se a partir do terceiro ano a prestação passaria a ser difícil de pagar. É fácil de ver o que aconteceu em muitos casos.

No entanto, cada vez mais esta é uma decisão complexa e difícil de tomar. Vivemos de forma instável, quer no emprego, quer nos rendimentos, quer nas relações. Não existe estabilidade no local de trabalho, não existe estabilidade nos rendimentos obtidos, não existe estabilidade em muitas relações entre duas pessoas. Quantas vezes, num casal, um dos parceiros tem de mudar de localidade por questões laborais? Quantas vezes alguém fica numa situação de desemprego sem poder pagar os seus encargos? Em Portugal, actualmente, 70 % dos casamentos acabam em divórcio. Assim, será uma boa decisão assumir um compromisso financeiro de décadas para a compra de um imóvel?

Esta decisão deve obedecer a um processo de decisão que analise as várias variáveis que podem tornar uma das escolhas numa má escolha. Por exemplo, uma família em que só um dos cônjuges trabalhe, numa situação de emprego com baixa estabilidade, deve comprar um imóvel como habitação principal?

Sou um adepto da compra em detrimento do arrendamento. Uma boa compra é a prazo um bom negócio do ponto de vista financeiro. Existem muitas famílias com níveis de rendimentos confortáveis pelo facto de terem imóveis comprados pelos próprios ou pelos pais ou avós, ou ainda herdados, e que lhes conferem uma segurança financeira muito importante. No entanto para a decisão de compra ser válida é necessário respeitar alguns factores.

O primeiro factor é a estabilidade de rendimentos do agregado familiar. Ao contrário do que acontecia há 30 ou 40 anos atrás, este é cada vez mais difícil de percepcionar. Uma economia em constante mudança cria instabilidade ao nível das receitas das empresas e do Estado. Se olharmos para a evolução das maiores empresas nacionais ao longo dos anos, vemos que poucas se mantêm nos lugares cimeiros. Isto significa que actualmente e previsivelmente no futuro, nenhuma receita é garantida, e consequentemente, nenhum salário é garantido. Esta é assim uma decisão difícil de ponderar mas que deve ser a primeira do processo de decisão. Se a estabilidade é baixa, então a escolha preferencial é o arrendamento. Se pelo contrário existe alguma ou muita estabilidade, então deve-se ponderar a compra. 

O segundo factor é a estabilidade do local de trabalho. Tal como os rendimentos, mas em menor grau, este começa a revelar-se em muitas profissões e categorias profissionais mudanças que antes não aconteciam. Serve de exemplo a área da consultoria e auditoria, onde recentemente profissionais muito bem remunerados e quase no topo da pirâmide tiveram de mudar de País por não existir negócio suficiente em Portugal. No entanto a mobilidade geográfica profissional continua a ser relativamente reduzida, pelo que é mais fácil definir se existe ou não estabilidade. E em caso afirmativo, a compra deve prevalecer em relação ao arrendamento.

O terceiro factor é a própria estabilidade do agregado familiar. E este é em termos emocionais o factor mais difícil de ponderar. Como referi, apesar de em Portugal 70 % dos casamentos acabarem em divórcio, continua a ser complicado admitir o mesmo quando ainda não aconteceu. Cabe a cada um no seu íntimo analisar a sua situação e ver se vale a pena contrair um empréstimo de décadas para comprar um imóvel com a pessoa que compartilha a sua vida.

O quarto factor é a própria dinâmica de crescimento do agregado familiar. Vale a pena comprar um T0 quando se pensa a breve prazo ter dois filhos ? Não será melhor arrendar para na devida altura comprar um apartamento com as dimensões compatíveis com as necessidades da família que pensa constituir? Este é outro imponderável, mas que admite um certo grau de certeza que permite fazer uma boa escolha.

O quinto factor é fundamental para efectuar uma boa decisão e necessita do apoio do mediador imobiliário. No caso da decisão recair para a compra, o imóvel tem um bom preço? No caso de necessidade de venda a curto/médio prazo, é vendável facilmente? E por um preço acima do valor de compra? Nos dramáticos anos após a crise que se agudizou a partir de 2008, o que mais me impressionou não foram as milhares de famílias que de um momento para o outro não conseguiam pagar os seus empréstimos, mas sim as famílias em certas zonas que não conseguiam vender os seus imóveis pois o valor de mercado era inferior ao valor de compra ou da hipoteca. Nestes casos, a venda do imóvel não lhes resolvia o problema financeiro, apenas o atenuava, continuando os mesmos com dívidas por pagar. 

Como referi, este é um factor onde a mais-valia do mediador imobiliário mais se pode demonstrar. E reforço a importância desta decisão pois ao longo dos anos o sector da mediação imobiliária tem perdido relevância como instrumento fundamental na procura de imóveis. Um comercial bem informado é decisivo para que o cliente tome uma boa decisão, e é uma oportunidade para que mtrabalha nesta área “marcar pontos”.

Cabe também ao cliente fazer o seu trabalho e pesquisar sobre a zona em questão, o tipo de imóvel que está a comprar e perceber a procura que existe. Comprar um imóvel cujo preço não é competitivo, numa zona com pouca procura, é um convite ao desespero numa futura necessidade de venda.  

Este é assim um processo de decisão que conjugando estes 5 factores, no todo ou em parte, permite decidir de forma mais acertada sobre a compra ou o arrendamento de um imóvel.

Entrando numa tipificação da classe de risco do cliente, diria que um cliente mais avesso ao risco deverá validar os 5 factores para avançar para uma compra em detrimento do arrendamento. Por outro lado, um cliente mais propenso ao risco pode conjugar 2 factores e decidir comprar. 

Se por exemplo, a estabilidade de rendimentos é baixa, mas o negócio é fantástico, com um imóvel com um preço muito baixo face à referência de mercado, num mercado com muita procura, então pode-se aceitar a decisão de compra, pois caso haja perca de rendimentos é possível a venda do imóvel ganhando dinheiro a curto prazo. 

Um outro exemplo pode ser um cliente cuja estabilidade geográfica do local de trabalho é baixa mas perante um elevado nível de rendimentos e um boa oportunidade de negócio, pode optar pela compra pois numa futura mudança terá ainda capacidade para um novo investimento sem necessidade da venda do imóvel anteriormente comprado.

No fundo, cada cliente é distinto, e deve o mediador imobiliário ajudá-lo a tomar a melhor decisão, nesta clara oportunidade de demonstrar a mais valia desta profissão.

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Por Carlos Leite de Sousa
Fundador Streetics

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