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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Reflexões sobre o futuro do financiamento do imobiliário


Por Ricardo Pereira
inPROP Capital Fund






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No Reino Unido, em Maio, foi publicado pelo Investment Property Forum um relatório que aborda alguns dos problemas associados ao financiamento do imobiliário e reflecte sobre medidas que podem remediar / mitigar estes problemas, tendo como pano de fundo e objectivo principal a tão desejada estabilidade financeira do sistema financeiro e da actividade imobiliária. Este relatório não pretende resolver problemas casuísticos mas sim olhar para os problemas estruturais que no passado estiveram na origem de períodos de recessão na actividade imobiliária (e por contágio, no sector financeiro).

Neste artigo faço um apanhado das recomendações deste relatório e embora reconheça que algumas destas medidas sejam necessidades evidentes mas de difícil implementação, outras foram bem pensadas e são exequíveis e, quem sabe, poderão fazer a diferença num futuro próximo.

A implementação destas medidas passa pela combinação de forças dos diversos players e por uma regulação efectiva e pró-activa. Os autores do relatório preconizam um mercado assente em players informados com acesso a informação com qualidade, granular e actual. O regulador deverá ter um papel menos intervencionista e mais supervisor o que implica que, em certa medida, os players se auto-regulem e boas práticas se pratiquem. A regulação deverá ser pró-activa e flexível na medida em que se deve ajustar ao ciclo do mercado e ser contra-cíclica.

As recomendações inserem-se em 3 categorias:
  • Informação, análise e qualificação;
  • Incentivos; e
  • Estrutura do mercado.

Estas categorias não são estanques e a eficácia destas recomendações reside nas sinergias que elas partilham e originam.

Informação, análise e qualificação

Informação com qualidade, actual e em quantidade e players capazes de a analisar e perceber são fundamentais ao desenvolvimento de regulação capaz, eficaz e que promova um ciclo de mercado com picos e vales menos acentuados. Nesta categoria inserem-se as seguintes medidas:

1. Criação de uma base de dados com informação sobre os empréstimos, à qual todos os bancos terão de reportar um conjunto de informação sobre os créditos concedidos e sobre as propriedades usadas como colateral. Esta informação terá de ser reportada no momento da concessão do crédito mas também ao longo da vida do mesmo. O regulador deverá ter acesso a esta base de dados para melhor regular a actividade (e definir os recursos próprios necessários aquando do financiamento dos diversos tipos/segmentos de imóveis). Esta base de dados, embora disponível para os bancos efectuarem as análises de risco, deverá ser gerida por uma entidade externa ao sector financeiro para que o mercado concorrencial funcione em benefício dos mutuários. A partilha de informação será igualmente importante para o desenvolvimento dum mercado secundário de compra e venda de créditos, o que possibilitará uma dispersão mais informada dos mesmos e, porventura, a uma alocação de riscos mais eficiente.

2. Qualificação do regulador: dado o impacto que períodos de recessão no mercado imobiliário podem ter na estabilidade do sistema financeiro, o regulador deve dotar-se duma estrutura que tenha um conhecimento específico sobre este sector e seja sensível às suas idiossincrasias. Dado o poder da regulamentação na política de crédito desenvolvida pelo sector financeiro, o mercado deve ser estruturado por forma a que haja um intercâmbio saudável de informação entre os players e o regulador. O regulador poderá desta forma dirigir os seus esforços ao arrefecimento dos sectores mais quentes e ao estímulo dos mais frios. Ora, visto que o conhecimento factual sobre o ciclo do mercado (e dos diversos segmentos) é extremamente importante e algo que só as partes envolvidas nas transacções conhecem, o regulador deve criar condições para que este fluxo de informação aconteça.

3. Acreditação dos players: pelas razões óbvias, os membros-chave do processo de originação e análise dos créditos devem ser acreditados por uma entidade externa e tal qualificação deverá ser alvo de formação constante.

Incentivos

Ter as qualificações e a informação necessárias muitas vezes não é suficiente. É necessário que os players tenham incentivos de longo-prazo que promovam um mercado estável e resistente a choques. Nesta categoria inclui-se:

4. Gestão de risco baseada em medidas de valor de longo-prazo: as medidas de avaliação de risco deverão estar indexadas ao valor de longo-prazo do colateral e como tal serem insensíveis ao ciclo do mercado. Desta forma, o crescimento e os termos do crédito são menos dependentes do ciclo do mercado e não alimentam o próprio ciclo (este processo de auto-feed está na origem de mercados voláteis, quase bipolares, em que fases de euforia são seguidas por momentos depressivos). Não se deverá inferir que as regras actuais usadas na avaliação do imobiliário deverão ser alteradas mas apenas que informação suplementar deverá ser desenvolvida.

5. Os reguladores deverão estabelecer parâmetros de avaliação do risco de crédito que permitam uma melhor diferenciação entre os respectivos colaterais e tais medidas deverão ser o ponto de partida no estabelecimento dos recursos próprios necessários à concessão de crédito.

Estrutura do mercado

As medidas anteriores deverão ter um impacto considerável na atenuação de valores extremos, dos picos e vales do ciclo do imobiliário, e permitir o financiamento da actividade num mercado mais recessivo e promover o financiamento responsável quando o mercado está mais forte. Contudo, a estabilidade do mercado depende ainda das seguintes medidas:

6. Encorajamento da diversidade: a função do regulador deverá passar também pela promoção de diversas fontes de financiamento, com estratégias de desenvolvimento de longo-prazo diferentes devendo, inclusive, facilitar a entrada de novos players se explorarem estratégias que abranjam mercados menos explorados.

7. Utilização inteligente e consistente de medidas contra-cíclicas ao longo do ciclo de mercado: a regulação deverá acomodar medidas que actuem e moldem o ciclo económico de forma contínua por forma a evitar euforias e recessões sem, no entanto, retirar do mercado o seu livre arbítrio. Medidas com output de carácter binário devem ser evitadas.

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