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terça-feira, 25 de junho de 2013

Os inimigos da Reabilitação Urbana


Por Francisco Silva Carvalho
PTSM - Advogados








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No meu post anterior, identificava as vantagens fiscais associadas às obras de reabilitação urbana. Hoje quero falar dos que são, a meu ver, os três principais obstáculos à sua execução: (i) os bancos; (ii) a justiça; e (iii) os políticos. Em síntese, cada um deles pelas razões que passo a expor:

Os Bancos

Um sem número de empreendimentos-fantasma, licenciados e construídos nos últimos 5-8 anos, assombram os principais centros urbanos. Encontram-se vazios, ou semi-desertos, com as vendas paradas há anos. Nestes empreendimentos, há muito que os respectivos condomínios deixaram de funcionar devidamente, pelo que os equipamentos comuns (piscinas, jardins, elevadores, maquinaria) estão em estado progressivo de descuido e degradação, o que vai lhes vai retirando, dia-a-dia, valor de mercado.

Estes empreendimentos são detidos por promotores e construtores falidos e quem os detém verdadeiramente são os bancos que os financiaram e os receberam em garantia do financiamento, avaliando-os com base em dados e estimativas cujo desfasamento com a realidade não podiam desconhecer. E que em vez de colocar estes imóveis no mercado, vendendo ou arrendando pelo preço que a procura estiver disposta a pagar, os mantêm à venda por preços que ninguém oferece, que são os valores pelos quais os têm artificialmente avaliados.

Para além do efeito pernicioso desta posição nos imóveis em causa, e da censurabilidade ética que ela possa ter no actual contexto social – em que os cidadãos são chamados, na Europa e na América, a responderem com os seus rendimentos pelos danos causados à comunidade por comportamentos delituosos e abusivos de bancos que, em maior ou menor grau, eram comuns a todo o sector bancário – este congelamento artificial dos preços cria uma situação de incerteza verdadeiramente nociva para o investimento imobiliário (que se pretende canalizar para a reabilitação urbana) porque é insustentável, pelo que, inevitavelmente, no curto ou médio prazo, o mercado irá ser inundado por todos estes fogos detidos pelos bancos, criando uma baixa abrupta e geral dos valores de mercado.

Deste modo, os investidores, em muitos casos, não têm como saber, ao dia de hoje, com a segurança que necessitam, qual o valor de mercado dos activos imobiliários, o que inviabiliza o investimento.

A Justiça

A possibilidade de reabilitar um imóvel depende, na maioria dos casos, da possibilidade de denunciar os contratos de arrendamento dos respectivos ocupantes.

Ao abrigo da lei anterior, a denúncia destes contratos para a realização de obras de reabilitação dependia da instauração, pelo senhorio, de uma acção judicial, com requisitos tão complicados que refreavam os investidores.

Actualmente, a Lei 12/2012, que reformulou o NRAU (o novo regime do arrendamento urbano, de 2006), determinou que a denúncia passa a fazer-se através de um mera comunicação ao arrendatário.

Embora esta pareça uma solução simples e rápida, verificam-se os seguintes problemas:

  • Se o arrendatário não sair do locado na data de produção de efeitos da denúncia do contrato de arrendamento (6 meses após a notificação), o senhorio tem de recorrer ao “Balcão Nacional do Arrendamento”, uma entidade que suscita reservas quanto à sua funcionalidade, uma vez que se encontra centralizada, fisicamente, no Palácio da Justiça do Porto, no mesmo espaço até agora afecto ao Balcão Nacional de Injunções (um processo judicial também simplificado), onde, desde logo, já não se respeitavam os prazos legais fixados para as injunções.

Mas o problema principal consiste no seguinte: quando um inquilino apresenta oposição ao procedimento de despejo, este é transferido para um tribunal comum. Ora, muito embora a lei preveja um prazo máximo de 20 dias, desde a distribuição do processo, até à realização de julgamento, e que a sentença deve ser ditada imediatamente para a acta, antevê-se que, à semelhança das referidas injunções, estes prazos legais não irão ser respeitados na prática, prevendo-se atrasos indetermináveis, dependendo da carga de trabalho do tribunal de destino.

  • Nos casos de arrendamento habitacional, de inquilinos com idade igual ou superior a 65 anos, o senhorio que pretenda denunciar os contratos para a realização de obras de reabilitação, não só tem de recorrer ao BNA nos termos acima referidos, como tem, igualmente, de assegurar o realojamento do inquilino em condições análogas às que este detinha, i.e., num local com características idênticas, na mesma freguesia ou em freguesia limítrofe, com um contrato de arrendamento de duração indeterminada, sem possibilidade de denúncia por parte do senhorio (precisamente, o tipo de contratos vinculisticos que hoje em dia já não existem, mas que o legislador espantosamente pretende aplicar a estes arrendatários!!), e com uma renda determinada em função do seu rendimento anual bruto corrigido (o RABC) caso o mesmo seja inferior a cinco salários mínimos anuais. Como o leitor pode imaginar, é praticamente impossível realojar o inquilino nestas condições, a menos que o proprietário seja também proprietário do imóvel onde pretende realojá-lo. E mesmo assim…
Os Políticos

Os políticos, na sua ânsia populista de ganhar votos sem olhar a meios, podem ser, porventura, a principal força de bloqueio ao esforço de reabilitação das cidades.

Veja-se, a título de exemplo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a quem tivemos recentemente a infelicidade de ver associar-se aos críticos da nova lei das rendas, reclamando a sua suspensão relativamente aos comerciantes (http://www.oje.pt/noticias/nacional/antonio-costa-apoia-comerciantes-de-lisboa-na-lei-das-rendas).

A este respeito relembro este meu post, onde chamava a atenção para a natureza verdadeiramente ultrajante do vinculismo e do congelamento das rendas no caso particular dos arrendamentos comerciais, onde não existem dramas humanos a defender, mas tão-só a manutenção de comércios economicamente inviáveis, a contaminação dos centros comerciais nos centros urbanos, a concorrência desleal com quem paga rendas de mercado, e décadas de uma cultura de trespasses milionários vergonhosos, onde os arrendatários fizeram fortunas à conta do empobrecimento dos senhorios.

Não sei se o presidente da CML se dá conta das consequências destas suas manifestações políticas, que aterrorizam e afugentam os investidores que o mesmo diz pretender captar para o esforço de reabilitação urbana.

Para além de afugentar investidores, esta posição do presidente da CML tem consequências administrativas: em dois casos de obras de reabilitação de que tenho conhecimento directo, os respectivos proprietários têm projectos aprovados para obras de reabilitação dos respectivos prédios, mas aguardam há anos que os tribunais decretem a desocupação dos inquilinos, que se recusam sair. Inquilinos esses que pagam, há dezenas de anos, rendas absolutamente indecorosas.

Recentemente, em ambos os casos, os proprietários receberam uma carta da CML, intimando-os para procederem à realização de obras de conservação, por os respectivos prédios se encontrarem em situação de insalubridade e sem garantias de segurança...

Perante a falta de vergonha e o cinismo populista, não há esforço de reabilitação que possa prosperar.

1 comentário:

José Melo Ferreira disse...

Julgo o primeiro inimigo citado tem um outro comportamento, com enorme repercussão no centro do Porto, cujo efeito torna os outros inimigos menos agressivos. Refiro-me aos apartamentos, que foram entregues aos bancos pelas famílias que se tornaram incapazes de pagar as prestações relativas aos empréstimos para compra de casa, que são postos à venda pelos bancos a preços que correspondem, eventualmente, aos valores dos empréstimos em falta e que estão muito abaixo do valor de custo de um apartamento reabilitado (mesmo que comprado em saldo e precariamente reabilitado). Acresce ainda que oferecem os bancos financiamento para a aquisição destes apartamentos em condições mais vantajosas que para aquisição de outro qualquer apartamento. Este fenómeno produz uma enorme do mercado e uma evidente concorrência (com argumentos desiguais) aos investidores no mercado de habitação, dificultando todo o processo de análise e decisão de investimento. A desconfiança no comportamento da procura, o comportamento diferenciado da banca no apoio ao investimento e ao consumidor, e na estima das margens esperáveis é um inibidor muito relevante na decisão racional de investimento.