Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
Sócio-Administrador da RPBA (Ricardo da Palma Borges & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.)
ricardo@rpba.pt--
Parte 2 - Os prédios em propriedade plena e outras discriminações
Na sua aplicação, a Autoridade
Tributária e Aduaneira (“AT”) tem considerado sujeitos a tributação,
independentemente do número de proprietários, os imóveis não submetidos ao
regime de propriedade horizontal (em “propriedade plena” ou “propriedade
vertical”), mesmo que com partes afectas a habitações independentes, como
sucede com boa parte dos prédios arrendados mais antigos. Esta interpretação discrimina
tais prédios face aos em propriedade horizontal.
Um ofício do Provedor de Justiça,
de Abril de 2013, e subsequente parecer do
Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros da AT, também de 2013, pronunciaram-se pela ilegalidade
ou inconstitucionalidade da tributação dos prédios em propriedade plena com
partes afectas a habitações independentes. Porém, a AT continua a tributá-los.
Também o Centro de Arbitragem
Administrativa (“CAAD”) tem decidido a favor dos contribuintes (decisões
arbitrais n.º 50/2013 e 132/2013), por violação de vários
princípios constitucionais. Estão em causa os princípios da justiça,
proporcionalidade e igualdade fiscal, decorrentes dos arts. 13.º e 104.º, n.º
3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que impõem, de acordo com a
capacidade contributiva, uma igualdade de sacrifícios dos contribuintes e
proíbem a escolha arbitrária do sujeito passivo e do facto tributário.
Este IS criou ainda outras
gritantes desigualdades tributárias.
Por um lado, não há uma isenção de base, com um sistema de escalões (tal
como sucede com o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis –
art. 17.º do respectivo Código –, ou com o Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Singulares – art. 68.º do respectivo Código), tributando apenas a riqueza
excedente a € 1.000.000,00. Ao invés, tributa todos os prédios com valor superior a esse montante na sua totalidade, criando uma tributação
desproporcionada, anómala e disruptiva entre um proprietário de prédio com o
VPT de € 999.999,99, que nada paga, e um proprietário de um prédio com mais € 0,01
de VPT, que paga um mínimo de € 10.000,00 de IS.
Aliás,
este IS nem tributa verdadeiramente
os proprietários ricos: se uma herança indivisa de 10 pessoas tem um imóvel de
€ 1.000.000,00, cada um só tem € 100.000,00 de riqueza imobiliária; se
um fundo de investimento imobiliário tem um prédio de € 10.000.000,00 de euros, pertencente a
1.000 investidores, cada um investiu € 10.000,00; em qualquer caso, ambos
pagarão, por via da herança ou do fundo, como se de proprietários “milionários”
se tratassem.
Por outro
lado, este IS atinge os proprietários de prédios arrendados com rendas antigas
e baixas cujo VPT constante da matriz seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ainda
que nesses casos incida não sobre tal VPT mas sobre o valor resultante da
capitalização da renda anual pelo factor 15.
A ausência
de cláusulas de salvaguarda, como em sede de IMI, faz da propriedade de tais
prédios um verdadeiro ónus, por não haver equivalência entre o valor do imóvel
e dos seus magros rendimentos, sendo que prédios com VPT inferior a € 1.000.000,00,
mas que aufiram rendas superiores, não são onerados.Em suma, este
novo IS tributa “ricos prédios” mas não “proprietários ricos”.
Num exercício
legislativo aberrante, o prédio foi “personificado” fiscalmente: é nele, e não
nos seus proprietários, que se pretendem apurar demonstrações de riqueza, o que
deve ser declarado inconstitucional, por violação do princípio da capacidade
contributiva, corolário do princípio da igualdade, e ainda do direito da
propriedade privada (art. 62.º da CRP).
Também
nestes casos, em especial nos dos prédios em propriedade plena ‑ em que Provedor
de Justiça, Centro de Estudos
Fiscais e Aduaneiros da AT
e jurisprudência do CAAD confluem num sentido favorável aos contribuintes – estes últimos, ainda que os normais prazos de reacção graciosa e
contenciosa já se encontrem excedidos, podem recorrer à revisão oficiosa com
fundamento em erro imputável aos serviços da AT, nos mesmos moldes referidos na
Parte I.
Mas, novamente,
o que torto nasce muito tarde ou nunca se vai (totalmente) endireitar!
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