Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
Sócio-Administrador da RPBA (Ricardo da Palma Borges & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.)
ricardo@rpba.pt--
Parte 3 - A discriminação dos prédios habitacionais e a aplicação do imposto no tempo
Este IS apenas incide (salvo o caso de imóveis detidos por entidades em paraísos
fiscais) sobre prédios urbanos habitacionais
– e, a partir de 2014, sobre terrenos para construção cuja edificação,
autorizada ou prevista, seja para habitação – em detrimento dos prédios com
outras afectações, nomeadamente comerciais, industriais ou para serviços.
Ora, não há diferença fiscalmente
relevante entre um imóvel destinado à habitação com VPT de € 1.000.000,00 e outro
de igual VPT afecto a diferente fim: supõe-se que ambos têm igual aptidão de
gerar rendimento, revelam igual capacidade contributiva dos seus titulares e
fruem idêntico benefício das utilidades públicas.
Assim, este IS revela-se extremamente
inigualitário na distribuição de sacrifícios, por apenas tributar o
(proprietário do) prédio habitacional e não (o de) imóveis com outras
afectações, violando os princípios da justiça, proporcionalidade e igualdade
fiscal, decorrentes dos arts. 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República
Portuguesa (“CRP”). Neste sentido se pronunciou já a decisão arbitral do Centro
de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) n.º 218/2013-T.
Adicionalmente,
a Lei n.º 55-A/2012 gerou uma dupla tributação por
referência a 2012; nesse ano verificaram-se dois factos tributários sujeitos a
imposto: um a 31 de Outubro (liquidado até ao fim de Novembro e pago numa única
prestação até 20 de Dezembro do mesmo ano) e outro a 31 de Dezembro (liquidado
em Fevereiro e Março de 2013, à semelhança do Imposto Municipal sobre Imóveis
(“IMI”), e pago em Abril, Junho e Novembro deste último ano).
Ora, sendo
o facto tributário de tal IS um facto complexo, de formação sucessiva ao longo
de um ano (a titularidade de uma propriedade, usufruto ou superfície), e tendo o
imposto gerado a 31 de Outubro de 2012 sido aplicado a todo esse ano, e não
apenas ao período decorrido após a sua entrada em vigor (de 30 de Outubro a 31
de Dezembro), estamos, a meu ver, perante uma violação do princípio da não
retroactividade da lei fiscal, previsto no art. 103.º, n.º 3, da CRP.
Efectivamente,
por referência a 2012, o proprietário de um imóvel com um VPT de € 1.000.000,00
pode pagar, em impostos sobre o património, € 20.000,00 (ao qual acresce o Imposto
sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, caso o imóvel esteja arrendado). Tal
quantia resulta da incidência sobre o VPT de € 1.000.000,00: (i) em sede de IMI
da taxa de 0,5%; e, em sede deste IS, (ii) da taxa transitória de 0,5% gerada a
31 de Outubro e (iii) da taxa “normal” de 1% gerada a 31 de Dezembro de 2012.
É notório
o carácter-surpresa, de genuína Blitzkrieg
fiscal, desta tributação: Lei publicada a 29 de Outubro, entrada em vigor no
dia seguinte, facto gerador a 31 de Outubro, liquidação até ao fim de Novembro
e pagamento até 20 de Dezembro, em que, por referência ao ano 2012, se tributam
não 63 dias mas sim duas vezes 365 dias de propriedade, usufruto ou superfície
imobiliárias – ainda que se moldando a primeira liquidação em elementos do
imóvel determinados no ano 2011.
Ele revela
o real intuito do legislador: com artifícios formais (factos geradores
instantâneos mas retrospectivos e liquidação e pagamento a curtíssimo prazo,
tentativa de “travestir” os factos geradores de liquidações, ocorrendo uma em
2012 e outra em 2013, mas ainda por referência ao primitivo ano), pretende-se fraudar
o princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal.
Ora, é inteiramente
legítima a expectativa de um direito sobre o imóvel ser tributado uma única vez
em cada ano, pelo que os princípios da segurança jurídica e da protecção da
confiança, ínsitos no artigo 2.º da CRP, foram aqui feridos. Contudo, a citada
decisão do CAAD concluiu pela sua não violação.
Em face do
exposto, também nestes casos, podem os contribuintes, mesmo que os normais prazos
de reacção graciosa e contenciosa já tenham sido excedidos, recorrer à revisão
oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária
e Aduaneira, nos moldes referidos nas Partes I e II.
Mas, neste
particular, é mais duvidoso que o que torto nasceu alguma
vez se endireite!
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