Recentemente saíram notícias com revelações que me surpreenderam: a nível mundial, o turista chinês é aquele que mais gastou em compras tax free em 2014, seguido do americano. Tal figurino mantém-se no mercado português apenas com uma alteração: em 2º lugar aparece o turista russo e o turista americano em terceiro lugar.
Por outro lado, assistimos a um crescimento exponencial do turismo "low cost", principalmente em Lisboa e no Porto, aliado sobretudo a duas realidades: o aumento do tráfego aéreo "low cost" e o aparecimento do alojamento local com preços muito mais reduzidos que a hotelaria tradicional.
Estes factos levam-me a colocar uma questão de base: o que interessa mais ao Turismo Português: um turista que consome ou um turista que apenas visita?
Esta questão faz-me recuar à década de 70 em que já se discutia este problema, face ao desenvolvimento desordenado do Algarve. E a questão prendia-se com a massificação do turismo. Esta massificação era feita precisamente pelo turista visitante, que pouco consumia e que se alojava nas chamadas “camas paralelas”.
E para melhor percebermos este facto, técnicos da então Direcção-Geral do Turismo visitaram destinos muito na “moda” em Espanha, nomeadamente na costa, tais como Benidorme, Torremolinos e Marbelha. E verificou-se que eram destinos com gravíssimos problemas de infraestruturação provocados pela pressão do turismo.
Esta situação preocupou-nos e muito. Não queríamos que o mesmo acontecesse no Algarve. E nas décadas de 80 e 90, já com os fundos estruturais, houve zonas que foram então declaradas sectorialmente saturadas, nomeadamente a Praia da Rocha, Armação de Pera, Albufeira e Quarteira. Estas zonas não tinham acesso aos fundos comunitários para novos empreendimentos - apenas para melhoramentos – e isto porque as infraestruturas estavam à beira da rotura. E mesmo assim foi necessário um trabalho muito grande para que tal rotura não se viesse a verificar. Entretanto e como todos sabem, foi o colapso de Torremolinos, Marbelha e Benidorme.
E é por isto que a partir da década de 90 se optou por um turismo de qualidade em detrimento de um turismo de massas. E analisando todo o desenvolvimento turístico desde essa altura e as campanhas promocionais realizadas, vemos uma aposta muito forte na qualidade, a começar pela qualidade da oferta de alojamento, na qualidade da restauração e da animação turística apostando em produtos estratégicos que permitissem um aumento e solidificação de um turismo de qualidade e, em simultâneo, na qualidade da procura, ou seja, mais turistas consumidores e menos turistas de visita.
É neste contexto que, na minha opinião, deve ser analisada a questão.
Quem nesta altura passeia pela baixa pombalina ou pela zona ribeirinha do Porto, assiste a uma massificação de pessoas que torna quase impraticável a normal deslocação dos residentes. Os turistas enchem o espaço público, utilizam-no mas sobretudo exercem uma pressão de tal ordem que não sabemos até onde esse espaço resistirá. E isto reflete-se numa sobrecarga nas infraestruturas que também não sabemos até onde resistirão.
Portugal não tem território suficiente que permita optar por um desenvolvimento turístico massificado. Desde a década de 90 que a nível oficial assim se pensou e se optou por um turismo de qualidade em oposição ao turismo de massas.
Pretendia-se não aumentar o número de turistas mas sim a qualidade dos turistas que não se importam de pagar pela qualidade. E para captarmos este turismo de qualidade temos de ter qualidade nos serviços turísticos a prestar a quem nos visita – hotelaria, restauração e animação turística – nos recursos turísticos endógenos disponíveis, sejam os naturais – praias, paisagem, gastronomia – sejam os culturais – património edificado – sejam os estruturais – vias de acesso, transportes, comunicações. E para isso esse turista não se importa de pagar.
Mas é claro que todos têm o direito de nos visitar e de nos conhecer como povo que se criou e desenvolveu no espaço e no tempo, neste território maravilhoso “à beira mar plantado”. Mas para tudo, como diz o povo, há que ter “conta, peso e medida”. E é isso que é difícil em turismo. Tanto mais que não existe nem pode existir qualquer tipo de controlo da procura.
Para mim, é assustador ver a forma quase desenfreada como aparecem os estabelecimentos de Alojamento Local tanto nas grandes cidades como nos locais privilegiados de turismo, nomeadamente nas praias. O abandono das zonas habitacionais pelos residentes que vão em busca de soluções mais económicas, libertam habitações que são aproveitadas para instalar este tipo de estabelecimentos mas com uma carga muito superior sobre as infraestruturas do que aquela que existia quando foram concebidos para habitação permanente. Nestes estabelecimentos a ocupação sobe exponencialmente em relação à ocupação prevista e as infraestruturas não foram dimensionadas para tal.
Face a esta situação, julgo que a melhor solução será apostarmos num turismo de qualidade e não de visita para não entrarmos em rotura. E entendo que é importante começarmos já a trabalhar nesse sentido antes que nos aconteça o mesmo que em Espanha ou…pior.
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Por Rui Soares Franco
Consultor em Turismo e Hotelaria
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