Nos anos 80 do século passado, quem passasse férias no sul de Espanha notava uma diferença significativa na qualidade do serviço quando comparado com Portugal. Apesar de ser mesmo aqui ao lado, havia uma grande diferença na atenção ao cliente, na atenção às crianças, na preocupação com o bem-estar. E este fosso agravava-se ainda mais quando se ia mais para norte, para países como a Suíça, Alemanha ou Holanda, onde o conceito de serviço já estava mais enraizado na população.
Felizmente, nos últimos anos Portugal foi recuperando esta diferença e melhorando significativamente a qualidade dos serviços prestados nas mais diversas áreas, como a restauração, a hotelaria, entre outras áreas de actividade, no que também ajudou a nossa natural simpatia e boa vontade.
No sector da mediação imobiliária houve igualmente alguma evolução “puxada” por uma maior formação dos recursos humanos, maior concorrência a exigir mais atenção ao cliente, melhores ferramentas de trabalho a permitirem juntar a análise de dados ao factor humano, e também, porque não, clientes mais exigentes e mais informados.
No entanto, actualmente seria de esperar um pouco mais do serviço comercial na mediação imobiliária, precisamente pelos factores focados acima e principalmente pelo compromisso que deveria existir perante tanta publicidade com a palavra “qualidade”.
Quem hoje procura um imóvel para comprar ou arrendar, facilmente se depara com as palavras “qualidade”, “confiança”, “facilidade”, entre outras adjectivações do serviço prestado. No entanto, quem junta à sua expectativa ao contactar um profissional, com as expectativas criadas pelos prestadores de serviço de mediação imobiliária, é muitas vezes defraudado.
Bem sei que a actividade comercial nesta área tem nuances muito próprias, como aliás referi no artigo “Mediação Imobiliária : 29 dias de motivação.”. As longas semanas sem concretizar uma venda podem ser desanimadoras caso não haja a motivação quer própria quer incutida, para aguentar. No entanto, quem está neste sector sabe o que lhe espera desde o início e não deve deixar que isso afecte a necessária dedicação ao cliente que irá conduzir ao sucesso. O problema é exactamente saber estar na profissão com um sentido de serviço ao cliente, com perspectivas de realização pessoal, onde se inclui a financeira, e não andar a fugir do problema – diga-se, cliente que pretende um determinado imóvel, mas ser capaz de o enfrentar e de o superar.
Há 30 anos atrás, e por incrível que pareça, havia pessoas que ao fim-de-semana se “entretinham a ver casas”. Hoje já não é assim. Quando alguém se assume como potencial cliente (coloco de parte os contactos/concorrência que apenas pretendem informação adicional sobre um imóvel) é porque tem um interesse e uma necessidade que deve ser satisfeita. E esta janela de oportunidade deve ser agarrada pelo comercial até que o problema seja superado, ou seja, o cliente tenha encontrado o imóvel que pretende.
Não compreendo por isso algumas lacunas concretas que alguns comerciais continuam a demonstrar no seu processo de trabalho, nomeadamente:
1. Insistir em aconselhar imóveis completamente desajustados dos parâmetros que o cliente estabeleceu e que são razoáveis. Se o cliente já definiu o que pretende, e os aspectos financeiros estão ajustados com as suas possibilidades, então não perca tempo a aconselhar imóveis que não se enquadram na procura, apenas porque não tem em carteira o que se pretende. Vá à procura, faça parcerias, mas não desista até estarem esgotadas as possibilidades. E neste último caso, fale claramente com o cliente e redefinam em conjunto os parâmetros;
2. Aparecer em carteira um imóvel que pode interessar ao cliente e não o aconselhar. Conjugando com o Ponto 1, esta é uma lacuna incompreensível nos dias de hoje tendo em conta as ferramentas informáticas disponíveis. Só o entendo por cansaço ou distração, pois de outro modo este potencial negócio não seria desperdiçado. Esteja permanentemente atento à carteira de imóveis da sua mediadora ou novos imóveis a entrar no mercado, crie alertas, procure alterações de preço;
3. Estar com um potencial cliente na loja e não poder fazer uma visita a um imóvel disponível por uma razão que não tenha haver com um cliente (este ou outro qualquer). Independentemente da organização interna de cada empresa, o foco tem de ser sempre o triângulo cliente/comercial/imóvel. Tudo o resto é acessório, mesmo possa ser importante, nunca deve ser o principal. Incentive a sua empresa a estar mais focada neste aspecto;
4. Não atender ou responder aos contactos do cliente. Hoje vivemos permanentemente ligados a algum gadjet, pelo que se é compreensível não atender uma chamada, já não é o não responder à mesma mais tarde, nem que seja no dia seguinte. O “sucesso” pode estar do outro lado da linha, ou não, para quem não dá resposta. Reveja ao final do dia os contactos que recebeu no telemóvel e e-mail e responda num prazo de 24 horas;
5. Mentir sobre a existência de ofertas concretas para um imóvel. Bem sei que o processo negocial em qualquer actividade tem os seus pequenos truques mais ou menos inocentes, para tentar conduzir ao que se pretende, seja o fecho do negócio, seja sobre o preço final. Mas hoje é bastante fácil descobrir se existem ou não mais interessados por um imóvel, e a maior parte das movimentações já são tão rebuscadas que só fica mal a quem as pratica. Seja o mais preciso possível quando fala sobre outros potenciais interessados no imóvel;
6. Não se certificar se o imóvel está em condições de ser vendido sem ónus ou encargos. Esta é uma das tarefas básicas mas que face à massificação da actividade tem sido descurada. E depois todo o tempo despendido com a comercialização de um imóvel vai por água abaixo porque “afinal existe uma penhora”. Procure apoio na empresa para a verificação destas potenciais situações;
7. Apresentar fotos modificadas que induzem em erro sobre as áreas de um imóvel. Atrair um cliente a um imóvel com áreas muito mais pequenas do que as fotos permitem percepcionar é meio caminho andado para o cliente não confiar mais no comercial. Visitar um imóvel implica muitas vezes uma deslocação, horas gastas, expectativas defraudadas. Se alguém julgar que conquista um potencial cliente deste modo, estará a prazo condenado em qualquer sector de prestação de serviços. Procure tirar fotografias com qualidade, informe-se sobre as melhores técnicas para fotografar imóveis, se possível recorra ao home staging para melhorar o aspecto geral do imóvel, ou, procure que no dia em que for tirar fotografias o imóvel esteja perfeitamente arrumado;
8. Insistir em deixar disponível nos diversos sites imóveis que já estão vendidos/arrendados, apenas porque têm preço competitivo. Até pode resultar a primeira vez que o cliente é atraído a uma mediadora por causa de um imóvel que já foi comercializado. Mas a constatação deste facto aliado à constatação de que o imóvel não é retirado dos sites, é uma quebra de confiança dificilmente reparável. Vale a pena ? Assim que detectar ou for alertado para uma situação semelhante retire o imóvel do(s) site(s).
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Por Carlos Leite de Sousa
Fundador Streetics
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