menu

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Reflexões sobre a introdução das SIGIs

A propósito das Sociedades de Gestão e Investimento Imobiliário (SIGI, também conhecidas por Real Estate Investment Trusts (REITs)), recentemente introduzidas em Portugal e cujo enquadramento legal é estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 19/2019, tenho assistido e lido algumas discussões e notícias, por vezes interessantes outras apenas desinformadas ou ingénuas, em que se reflecte sobre o impacto deste veículo de investimento no imobiliário e sobre as suas possibilidades de sucesso, ou seja, reflecte-se sobre quais são os factores diferenciadores das SIGIs versus a actual panóplia de veículos de investimento.

Num recente estudo /guia de investimento, é referido que, num horizonte de 5 anos, em Portugal e por comparação com Espanha, se poderá chegar às 25 SIGI cotadas em bolsa e a uma capitalização bolsista de 7 mil milhões de euros. Ora, tendo em consideração que em Portugal existem cerca de 30 sociedades gestoras de imobiliário que gerem 11 mil milhões de euros, a criação deste número de SIGIs representaria quase uma duplicação do mercado, o que seria, a todos os níveis, muito positivo para o sector. Mas, fazendo uma análise dos outros países Europeus com REITs, o impacto potencial das SIGIs não parece tão substancial. A Tabela 1 faz um resumo da dimensão dos REITs nestes mercados.

 Fonte: EPRA, Total Markets Table, Q1 -2019


Sabendo que o valor do mercado imobiliário em Portugal é cerca de $92 mil milhões e que a capitalização bolsista dos REITs como percentagem do valor do mercado do imobiliário é de 3,1%, na média europeia, o valor dos REITs em Portugal poderá atingir os $3 mil milhões (usando a percentagem verificada no mercado espanhol (4,4%), talvez se atinja os $4 mil milhões). Caso a capitalização bolsista média dos REITs varie entre $500 milhões e $1.000 milhões, o número de REITs poderá variar entre três e oito … valores mais conservadores mas mesmo assim relevantes.

Contudo, o sucesso ou insucesso e a dimensão do mercado, dependerá em grande medida das vantagens das SIGIs sobre os outros veículos. Assim, interessa debater em que medida os SIGIs diferem dos restantes fundos de investimento imobiliário tenham eles capital aberto, misto ou fechado e sejam de subscrição pública ou privada. O Decreto-Lei n.º 19/2019 estabelece os principais requisitos/limitações das SIGIs. Os mais relevantes são:
  1. Ter como actividade principal o investimento em activos imobiliários para arrendamento ou outras formas de exploração económica podendo desenvolver de projectos de construção e reabilitação;
  2. Serem constituídas como sociedades anónimas e terem um capital mínimo de € 5 milhões;
  3. Os activos afectos ao objecto social e sujeitos a arrendamento deverão representar, no mínimo, 80% e 75%, respectivamente, do valor total dos activos da SIGI;
  4. Distribuir 90% dos lucros sob a forma de dividendos, para evitar a dupla tributação, e 75% das mais-valias devem ser reinvestidos na aquisição de novos activos;
  5. Serem negociadas num mercado regulamentado (isto é, numa bolsa de valores);
  6. O período mínimo de permanência de cada activo é de 3 anos;
  7. O endividamento máximo é de 60%;
  8. Um mínimo de 20% do capital da SIGI deverá ser disperso em bolsa e por investidores com menos de 2% dos direitos dos votos.
Se os primeiros quatro pontos não diferem muito de requisitos e limitações estabelecidas por outras regulamentações que abrangem os fundos de investimento imobiliário (embora os limites possam ser diferentes), os últimos quatro pontos, em combinação, podem alterar a racionalidade e dinâmica do investimento nas SIGIs versus nas alternativas.

O aumento do endividamento máximo para 60%, o que poderia alimentar transacções de âmbito mais especulativas e oportunistas, e logo representar um risco acrescido para os investidores, é contrabalançado pela permanência desses mesmos activos por um prazo mínimo de 3 anos, o que confere estabilidade à carteira de investimentos. A combinação destes dois requisitos poderá ser positivo para as SIGIs uma vez que as decisões de compra de activos terá de ser sustentada por critérios de valor de médio/longo prazo e a possibilidade de maior endividamento poderá alavancar a rendibilidade dos capitais próprios.   

A cotação em bolsa obriga as SIGIs a obedecerem aos requisitos de transparência estabelecidos pela bolsa de valores. Embora, por si só, a possibilidade de transacção em mercado secundário não seja uma garantia de liquidez, a uniformização da informação disponibilizada ao público (e a frequência da mesma) imposta pela bolsa, poderá ter um impacto positivo na liquidez das acções das SIGIs, relativamente às unidades de participação dos fundos de investimento imobiliário. 

A dispersão do capital por pequenos investidores também poderá ter um impacto positivo na liquidez porque diversifica o leque de investidores que a qualquer momento estão tanto no bid como ask no order book da bolsa. Embora menos sofisticados, os pequenos investidores são importantes na tradução do sentimento nos preços e logo na melhoria da eficiência dos mercados. Os investidores institucionais, embora mais sofisticados, seguem regras de investimento/transacção/alocação a activos, que combinam diversos factores o que significa que nem sempre reagem às alterações de valor /sentimento.

Como no Reino Unido os REITs foram introduzidos há mais de 10 anos (em 2007), é pertinente olhar para este mercado. A maioria das Property companies converteu-se em REITs embora representem apenas 5% do mercado imobiliário. A maioria dos activos imobiliários são ainda detidos em fundos de investimento imobiliário. A introdução deste regime teve, no entanto, algum impacto na eficiência dos mercados. Senão, vejamos:

  • O desconto médio dos REITs diminuiu como resultado da eliminação da dupla tributação (ver Figura 1) de 20% para 13%.

(Nota: os REITs costumam transacionar a desconto do valor dos activos porque este valor, resultante duma avaliação externa elaborada com base nos critérios estabelecidos pelo RICS, não incorpora, entre outros: (i) os custos de gestão do REITs - o desconto inclui o valor descontado destes custos de estrutura; e (ii) as mais recentes expectativas sobre a evolução do mercado – dada a natureza estática e discreta das avaliações dos activos imobiliários e, por vezes, desfasadas do sentimento do mercado, alguns analistas consideram que a possibilidade de transacção em bolsa confere aos REITs a possibilidade de anteciparem o mercado físico;

Figura 1: Prémio / Desconto dos REITS no Reino Unido 
(os REITS foram introduzidos em 2007)
Fonte: EPRA

  • Mais interessante é analisar o prémio/desconto (PD) de REITs individuais. Por exemplo, os dois maiores REITs, a Land Securities e a British Land (ambos são diversificados mas a componente de indústria é sub-representada) por fazerem parte do FTSE100, transacionam a preços que nem sempre reflectem o valor dos activos e o PD é mais volátil e acompanha a volatilidade do mercado de capitais (ver Figura 2).
Figura 2: Prémio / Desconto (PD) da Land Securities e da Bristish Land

Fonte: EPRA, NAV publication, March-2109. PD: Prémio/desconto para valor dos activos; NAV: net asset value; SP: share price.

  • Já a PD de REITs menos diversificados segue uma dinâmica diferente. A figura 3 mostra o PD de duas empresas com exposições muito diferentes e que não fazem parte dos índices de mercado. A INTU é 100 % centros comerciais e a SEGRO é 100% exposta ao sector industrial que também inclui armazéns. A INTU está a transacionar com descontos de 60% e a SEGRO a prémio. A explicação prende-se com os fundamentos dos segmentos de mercado em que trabalham. O segmento da INTU está a ser seriamente ameaçado pela concorrência do mercado online e as avaliações dos centros comerciais ainda não reflectem as expectativas de mercado. No outro extremo, o modelo de negócio da SEGRO está a beneficiar do crescimento do mercado online e da procura de grandes centros de distribuição e os investidores estão convencidos que as yields destes activos ainda irão comprimir mais. 
Figura 3: Prémio / Desconto (PD) da INTU e SEGRO

Fonte: EPRA, NAV publication, March-2109. PD: Prémio/desconto para valor dos activos; NAV: net asset value; SP: share price.

Talvez nestes casos, a introdução dos REITs tenha aumentado a eficiência dos mercados. 

Em suma, embora muitos dos requisitos das SIGIs, quando analisados de forma isolada, não tragam nada de novo ao mercado, quando analisados em combinação, poderão gerar uma dinâmica virtuosa e contribuir para o aumento da transparência e eficiência do mercado imobiliário.

--

Por Ricardo Pereira
InProp Capital Fund

1 comentário:

João Espanha disse...

Gostava de ver a opinião do Ricardo Palma Borges sobre o impacto da incerteza quanto ao regime fiscal desta novidade. Parece que a montanha está a parir um rato.