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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Pensar Fora da Caixa - VII

Novos Produtos de Financiamento à Habitação
Estamos num momento em que necessitamos de inovação financeira. O financiamento é caro e escasso e o mercado não pode (não deve) parar. Há investimentos que são legítimos e que têm mercado, outros com certeza não terão. No sector da habitação, as pessoas continuarão a necessitar de ter imóveis (comprando ou arrendando), seja para investimento, seja para uso próprio.

Neste artigo dou 2 exemplos de inovação financeira, no sentido de colmatar a escassez de financiamento no mercado. Um bom e um mau exemplo. Comecemos pelo bom.

Há bem pouco tempo foi lançado um novo Fundo no Reino Unido. Tem um capital de £ 500 M e o objectivo de investir em imóveis de habitação em Londres e no South East. É dirigido a 2 segmentos: investidores institucionais e futuros proprietários.

O futuro proprietário pode adquirir 25% a 50% do valor da habitação recorrendo a uma hipoteca convencional, sendo que o Fundo comprará a parte restante. O mesmo proprietário pagará depois uma renda mensal equivalente à renda de mercado do imóvel, incidindo apenas sobre a parte da qual não é proprietário. Pode também comprar a parte restante ao Fundo a qualquer momento.

O Fundo, por seu turno, potencia o acesso ao investimento habitacional a uma classe de investidores que pretende ter rendimentos estáveis. O objectivo do Fundo é de atribuir uma yield anual de 6%, estimando uma TIR de 15%, a cinco anos.

Agora o mau exemplo. Li também há dias que a APEMIP lançou um novo produto de crédito à habitação exclusivo para os clientes das mediadoras associadas. Contactei a APEMIP que teve a gentileza de me enviar uma brochura informativa do produto e responder a algumas dúvidas que tinha. Só tenho a agradecer a disponibilidade demonstrada.

Segundo eles, este produto traz duas vantagens: a primeira, é que concede empréstimos até 100% de LTV; a segunda, é que nos primeiros 3 anos, a prestação é fixa, sendo que caso as taxas de juro venham a subir ou a descer, o diferencial será acrescido ou amortizado ao valor em dívida, respectivamente. Assim, os clientes ficam protegidos das oscilações nos indexantes. Daquilo que o Presidente da APEMIP me esclareceu, «os bancos projectam, neste particular do crédito à habitação, todos os cenários possíveis, também na perspectiva dos mutuários, até para minimamente garantirem que não haverá surpresas a médio prazo, nomeadamente em sede de crédito mal parado». Significa isto que, na perspectiva da APEMIP, este mecanismo de fixação da prestação protege o mutuário e o próprio financiador.

Vejam bem a diferença entre estes dois produtos: o primeiro está orientado para LTV’s baixos e aposta em rendibilidades estáveis, o segundo diferencia-se por ter LTV’s elevados e estrutura-se com base na volatilidade dos indexantes.

Pergunto-me: será que não aprendemos nada com esta crise?

As taxas de juro Euribor estão em mínimos históricos. Não se prevê – eu pelo menos não o antecipo – que venham a descer mais. Os preços de habitação têm descido (mais no estrangeiro que em Portugal) e não vejo ninguém a antecipar uma subida sustentada no curto e no médio prazo.

Nesta conjuntura, de expectável subida das taxas de juro e, no limite, de manutenção dos preços de habitação, a APEMIP lança um produto de financiamento com um LTV de 100% e com a capitalização dos montantes não pagos ao banco por força da subida do indexante.

Significa isto que, daqui a 3 anos, quando os mercados estiverem mais estáveis – pelo menos assim o esperamos – e as taxas de juro tenham voltado a níveis considerados normais, o adquirente deste produto estará a dever mais do que no início do contrato e pagará de prestação, bastante mais do que o inicialmente, pelo efeito conjunto da subida da taxa, da subida do valor em dívida e da redução do prazo remanescente de amortização.

No mínimo, um produto deste tipo parece-me imprudente. Questionado sobre isto, Luís Lima escreveu-me que «(…) em matéria de crédito à habitação passamos do 80 ao 8... Neste contexto, direi que o acréscimo de risco agora assumido é mais do que necessário, não sendo, a meu ver, um risco excessivo dada a estabilidade dos preços dos bens imóveis em Portugal, que registam uma valorização pequena mas constante, em regra ligeiramente superior ao valor da inflação».

Ao lançar este produto, a perspectiva da APEMIP é que o mercado financiador – leia-se, os bancos – têm de assumir mais risco e acreditar que o mercado imobiliário manter-se-á estável. Essa assumpção do risco é «mais que necessária».

Para mim, o risco deve estar do lado de quem compra, de quem investe, de quem promove. Os bancos, no papel de financiadores, não têm de partilhar o risco do negócio. Emprestam dinheiro e cobram um spread, são remunerados pela sua função de emprestar, não pela função de correr risco de negócio. Para isso, comprariam também habitação – tal como os mutuários o fazem - ou tornar-se-iam parceiros ou accionistas dos Promotores ou dos Investidores Imobiliários.

Em Portugal olha-se para trás, culpam-se os outros e exigem-se soluções. Ao invés, no Reino Unido por exemplo, procuram-se alternativas. No caso exposto, aposta-se que daqui a 5 anos, quando o mercado estiver mais estável, as pessoas terão mais e melhores condições de adquirir habitação, logo com maior probabilidade a comprarão ao Fundo, ficando o investidor com uma rentabilidade bastante interessante. Por cá, como hoje ninguém compra – o risco é elevado, para ambos os lados – “força-se” o mercado a financiar para que alguém compre. Ou será para alguém conseguir vender?

Bons negócios (imobiliários)!

10 comentários:

Anónimo disse...

Há muito tempo não lia algo tão correcto e assertivo. Parabéns pelo artigo Gonçalo Nascimento Rodrigues. Infelizmente não é vulgar alguém com ideias tão claras e honestas. Infelizmente continua-se a tentar "tapar o sol com a peneira" e o novo produto de crédito habitação lançado pela APEMIP só isso demonstra.
Parabéns pelo artigo.

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Obrigado pelo comentários.

Aproveito para relembrar todos de assinarem os comentários para que possamos interagir melhor.

Anónimo disse...

Uma vez mais outro excelente artigo.
Os mediadores querem (legitimamente sublinhe-se) é que existam transacções e estão pouco preocupados se o preço das casas no futuro desce ou sobe.
Penso que tão importante como pagar o justo valor por um imóvel é ter plena consciência das implicações decorrentes dos contratos e perceber bem o risco associado a determinados produtos que vão aqui e ali surgindo no mercado.
A despreocupação com que se continuam a abordam estas questões reflecte bem a realidade do pais...

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Que os mediadores queiram que existam transacções, isso é natural, é a vida deles. Não podem nem devem é forçá-las, independentemente do preço, do financiamento ou dos riscos para o comprador.

Devem ser originais na forma de comercialização e procurar com outras entidades, formas originais de financiamento.

Esta não será uma delas, a meu ver...

Luís Oliveira disse...

Caro GNR,

Apreciei (mais uma vez) a preciosa contribuição para a discussão deste enviezamento de mercado.

Expectando-se uma subida das taxas de juro, a prazo relativamente curto, não é de estranhar que se pretenda vender rapidamente enquanto a maré está baixa. A técnica (já desgastada) está em manter o preço e (aparentemente) reduzir o respectivo encargo para o tomador do risco. Ganham o (mau) imobiliário e os bancos mas perde(-se) o mercado.

Nesta linha, gostava de desmontar a armadilha do (inadequado) indexante. É um tema interessante embora de carácter quase estritamente financeiro.

Reparo: aquilo dos "100% do LTV" é destinado só para ao reino do 'jargonês'. Os pobres mortais não decifram.

Um grande abraço e continuação de boas crónicas e bons negócios (financeiros e imobiliários, já agora).

Luís Oliveira

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Caro Prof.,

Sempre um prazer contar consigo por estas bandas.

O "jargonês" é defeito, não é feitio, penitencio-me... LTV = loan-to-value, o que no crédito habitação não significa mais do que o montante financiado (a título de hipoteca) a dividir pelo montante da avaliação (não pelo valor de compra).

A APEMIP lança este produto, porque:

- Os valores de avaliação estão hoje mais baixos;
- Adicionalmente, os bancos cortam ainda mais nas avaliações que recebem;
- Para piorar a situação, esse "jargonês" LTV está hoje mais baixo.

Em suma, se um banco der um LTV máximo de 80% e a avaliação vier 20% abaixo do preço de compra, temos na realidade um LTV de 64%. Para uma casa de € 200 mil, significa que o mutuário tem de entrar com € 72 mil. Serão poucos os que têm esta verba... solução? Não comprar! Não comprando, não se vende e não há negócio de mediação.

Não havendo mediação, o que se faz? Concorre-se com LTV's de 100% e condições, no mínimo perigosas para o mutuário.

Parece-me assim desmontado este produto...

Miguel Barroso disse...

Excelente análise!... esta postura do sector imobiliário nacional, é impressionante - é como diz, não aprenderam nada com a crise que passou...
Ainda há uns dias, uns amigos meus foram também "empurrados" para uma casa, que no meu entender, está bastante acima do poder de compra deles... ainda os alertei com antecedência, mas em todas as imobiliárias onde se dirigiram, o cenário que lhes pintaram foi sempre tão cor-de-rosa, que eles se convenceram de que podiam comprar casas de valor mais elevado - no final, o negócio acabou por se concretizar.

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Caro Miguel Barroso,

Obrigado pelo seu comentário, e obrigado a todos por toda esta interacção. Ficamos todos mais ricos.

Este "remark" do Miguel é, para mim, muito importante. Leva-nos, de novo, à discussão do conflito de interesses que eu entendo haver no sector da mediação imobiliária.

Um mediador, quando promove a venda de um imóvel, está a defender o interesse do proprietário. Ao procurar vendê-lo, "angariando" compradores, o seu cliente é sempre o proprietário do imóvel.

Quem defende, então, os interesses do comprador? Temos de realizar que, todos nós, quando procuramos uma casa (ou um investidor que procura um imóvel para investir, promover, construir, o que for) não somos defendidos pelo trabalho do mediador, que está a vender.

Desengane-se quem ache o contrário. Esta situação exposta pelo Miguel Barroso repete-se em variadíssimas situações e muitos são os que são "levados" a comprar algo que, na realidade, ou não querem ou não podem (não devem) comprar.

Caro Miguel, obrigado por trazer de novo esta discussão que, para mim, será apenas uma questão de tempo para o mercado realizar a diferença entre compra e venda, e a necessidade de haver quem preste serviços ao comprador diferente de quem presta serviços ao vendedor.

É assim que Out of the Box se posiciona: junto do comprador, do investidor, do promotor. É como eu costumo dizer: não tenho nada para vender! Querem comprar? Vamos procurar!

Não há soluções pré-definidas, pré-formatadas mas há, com certeza, a solução (quase) ideal para cada um. É só preciso encontrá-la e quem o fizer, não pode estar a vender nada.

Bons negócios (imobiliários)!

Tiago Palhoto disse...

Boa noite a todos:

Como profissional do sector imobiliário, permitam-me acrescentar algumas notas que me parecem importantes:

No mercado imobiliário, cada profissional tem essencialmente dois nichos onde pode trabalhar: Compradores e proprietários. Quem opta por "trabalhar" compradores, opta por ajudar todos aqueles que procuram comprar ou arrendar um imóvel. Aqueles que "trabalham" proprietários optam por ajudar estes últimos a vender o seu imóvel.

Há ainda quem trabalhe estes dois nichos em simultâneo(é o meu caso). Poderão perguntar se em determinados casos estas duas realidades (aparentemente) incompatíveis não se tocam? Claro que sim. É possível assegurar um equilibrio entre ambos? claro que sim. Tudo isto depende da abordagem que pretendermos fazer à forma como lidamos com clientes. E é aqui que entra um problema estrutural, transversal a praticamente todos os sectores de actividade: O profissionalismo com que lidamos com os clientes.

Não conheço nenhum país (dito desenvolvido) que trate tão mal os clientes como Portugal. Os exemplos começam desde um simples empregado de balcão até ao angariador imobiliário que tenta impingir a todo o custo uma casa que não serve ao seu cliente comprador, tudo só para poder realizar aquela comissão.

Porque somos assim? Simples: continuamos a achar que o sucesso se atinge num abrir e fechar de olhos e continuamos a dispender muito mais tempo a tentar arranjar sempre novos clientes em vez de preservar para a vida os existentes.

Há exemplos espalhados por esse Mundo fora (e no nosso país também) que demonstram claramente que os profissionais que preservam e "cuidam" dos seus clientes são os que têm sucesso. A isto chama-se profissionalismo.

Medidas para combater esta praga? Varia de sector para sector, naturalmente. No mercado imobiliário, esta preversão é também provocada pela forma de trabalhar de quase todas as imobiliárias: sem exclusivo. Isso é sinónimo de bandalheira (mas isso é uma discussão que fica para outra altura). Sabiam que nos Estados Unidos, a profissão de consultor imobiliário é a 3ª mais respeitada, sendo apenas ultrapassada pelos médicos e advogados? Como é óbvio, não passa pela cabeça de nenhuma das principais imobiliárias trabalhar sem ser em exclusivo.

Quanto aos outros sectores de actividade, provavelmente só em sede de consertação é que será possível tomar medidas que assegurem uma maior profissionalização.

Quanto a mim, vou continuar a trabalhar para preservar clientes para a vida e a seguir os exemplos de sucesso!

bons negócios!

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Caro Tiago,

Trabalhar oferta e procura, ao mesmo tempo e para o mesmo cliente, parece-me complicado mas concordo plenamente contigo quando dizes que depende muito das pessoas, da sua seriedade e do seu profissionalismo.

Em Portugal, um mediador imobiliário prefere sempre fechar um negócio rápido e ganhar uma comissão, em vez de satisfazer as necessidades do cliente.