Um dia destes, ao ler um paper sobre avaliação de hotéis, feito pela HVS, achei por bem escrever este pequeno artigo.
Resumidamente, o paper em causa refere que, actualmente, os hotéis estão sub-avaliados devido à conjuntura financeira que vivemos. O crédito é escasso e mais caro. O custo é, por isso, mais elevado e os loan-to-value (LTV) mais baixos. Por estas razões, os hotéis estão sub-avaliados porque em condições normais, o crédito estaria mais acessível e isso alavancaria o valor dos hotéis.
Parece-me que há que ter alguma cautela na ponderação das variáveis financeiras na avaliação económica de qualquer investimento e este paper é o reflexo da importância das fontes de financiamento na determinação do valor de mercado de um activo imobiliário.
Antes de tudo, há sempre que conhecer profundamente as variáveis operacionais de um hotel e saber determiná-las. A avaliação económica de um hotel ou resort carece de conhecimento específico de uma operação hoteleira. Mas há princípios base de avaliações financeiras que devem ser aplicados.
Avaliar um activo de rendimento deve ser feito olhando exclusivamente à sua capacidade de gerar cash-flow. O processo de avaliação deve centrar-se no cálculo dos cash-flows operacionais e de investimento e não levar em linha de conta a forma como o activo é financiado. No caso de um hotel, devemos concentrar-nos nas receitas e custos que gera por departamento (alojamento, F&B, salas de reuniões, spa's, etc.), determinando assim a margem de cada um delese calculando o chamado GOP - Gross Operating Profit. Depois há que imputar os custos indirectos e os não-distribuídos (management, pessoal, rendas, taxas, marketing, etc.) e calcular o EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortisation).
Já o financiamento é analisado por via da taxa de desconto. Por isso mesmo, devemos calcular o cash-flow de exploração (EBIT x (1-t) + Amortizações) e o de investimento (em activos fixos e em fundo de maneio), o que resulta no Free Cash-Flow. A taxa de desconto a utilizar deverá ser calculada com base no WACC (Weighted Average Cost of Capital).
Neste caso, então, e olhando para o paper da HVS, como reflectimos na nossa avaliação uma alteração das condições nos mercados financeiros? O que costumo fazer nos trabalhos de análise de investimentos imobiliários de clientes meus é procurar modelar a taxa de desconto. Tal como projectamos cash-flows, eu também procuro projectar diferentes níveis de risco, procurando assim projectar alterações nos níveis da taxa de juro e alavancagens. É desta forma que pondero no valor de um Hotel, por exemplo, alterações futuras na conjuntura financeira.
Analisando as conclusões da HVS, e perante a minha experiência, não é linear que LTV's superiores potenciem, indefinidamente, o valor por quarto de um Hotel. Há que lembrar que mais endividamento significa mais risco para o investidor. Por outro lado, não é só o LTV que altera a taxa de desconto (e logo o custo de oportunidade de investir num hotel em detrimento de outro investimento imobiliário): há que ponderar a própria taxa de juro, os prémios de mercado e o nível de alavancagem da operação.
Mas uma coisa é certa: o valor de um Hotel tem de ser, fundamentalmente, de natureza operacional. As condições financeiras podem provocar algumas alterações no seu valor mas não determinam, com certeza, a sua rentabilidade.
Bons negócios (imobiliários)! E já agora, hoteleiros!
2 comentários:
Caro Gonçalo,
como deves imaginar já tinha lido este artigo que, na prática introduz pouca novidade sobre o tema, apesar da pertinência da reflexão.
Concordo com os teus pontos mas julgo que o problema do mercado nacional de hotelaria, no que diz respeito a avaliações, se prende com uma quase ausência de informações que permitam afinar os modelos com os pressupostos que referes e que o artigo também refere.
Na prática, o valor de mercado deverá corresponder ao preço a que comprador e vendedor estão dispostos a transaccionar o imóvel (assumindo que agem de livre vontade, estão plenamente informados, etc.....). Ora, num mercado em que quase não há transacções (salvo algumas efectuadas entre ou para FII) e onde a quantidade e fiabilidade da informação disponivel sobre este segmento de mercado é muito reduzida, será sempre muito difícil possível averiguar "onde é que anda" o mercado e qual o nivel de risco que está disposto a aceitar para este tipo de investimentos.
Por isso é que as avaliações em Portugal(e muito concretamente as hoteleiras) carecem sempre de uma grande dose de bom senso, quer quando baseadas em modelos mais complexos que podem ir ao detalhe de apurar a taxa de desconto pelo WACC ou quer utilizem metodologias mais expeditas como um "simples" multiplicador do volume de negócios ou um valor por quarto ou por m2.
A juntar a tudo isto, convém que se perceba um bocadinho do negócio da hotelaria!!
Bons negócios hoteleiros!
Vitor,
Concordo contigo, o artigo tem dificuldades em se adaptar à nossa realidade. Há uma coisa que costumo explicar nas minhas aulas: a diferença entre custo, preço e valor. E preço e valor, no mercado imobiliário, muito dificilmente serão iguais, quanto mais no mercado hoteleiro!
Mas isso não significa que os hotéis não tenham valor! O que me parece é que, e à luz de tantas outras avaliações no mercado imobiliário, também o mercado turístico e hoteleiro carece de profissionalismo, isenção e know-how. Não é pelo mercado transaccional ser ilíquido ou mesmo inexistente que as avaliações deixam de funcionar. Bem pelo contrário, é para isso que elas existem, para cotar um activo que é ilíquido!
Um trabalho aturado, bem feito e bem estruturado de análise do mercado, da concorrência, dos serviços, do produto, de posicionamento, conduzirá, por experiência própria, a uma boa avaliação.
O problema é que o mercado não está disponível para pagar um trabalho tão completo, contentando-se com as avaliações que conhecemos...
E, claro está, em absoluto acordo: convém perceber do negócio. Como em qualquer outro investimento, dá jeito "dominar" o activo subjacente...
Um abraço.
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