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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mais ou melhor regulação?


Por Ricardo Pereira
inPROP Capital Fund







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«Se o banco praticar um spread de 1% em ambos os créditos, o crédito para aquisição de habitação permitirá uma taxa de rendibilidade bruta (...) de 36% e o outro (...) de 25% … nada mau!!! mas na prática insustentável pois assenta em rácios de alavancagem brutais.»

A propósito do resgate da banca espanhola pela União Europeia, motivado pela recessão económica e pelo “estourar” da bolha imobiliária, uma questão se coloca: quem são os responsáveis pela criação das bolhas imobiliárias que proliferaram (ou proliferam) um pouco por todo lado?

Numa análise simplista, poderíamos dizer que a responsabilidade é dos intervenientes directos nas transacções, ou seja, de quem compra e de quem financia. Quem compra tem a vontade legítima de ser proprietário da sua habitação, contudo, muitas vezes não pondera sobre os “imponderáveis” da vida e tenta tirar proveito de condições de crédito fácil e barato, comprando a qualquer preço.

Dos bancos, porque emprestaram sem qualquer consideração por regras básicas de avaliação de risco de crédito (muitas vezes emprestando mais de 100% do valor do imóvel, o que só se explica pela convicção de que não há risco no investimento no imobiliário e de que o valor deste aumenta sempre ou porque, muitos simplesmente, estavam a sindicar os empréstimos em CDO,..., transferindo o risco do imobiliário para outros investidores). Foram estas práticas que alimentaram as bolhas imobiliárias um pouco por todo o mundo, levando a índices de afordabilidade absolutamente incomportáveis para o comprador e que como tudo, mais tarde ou mais cedo, levaria a fortes ajustamentos.

Sem querer retirar responsabilidade a estes intervenientes também os reguladores do sistema financeiro internacional (que depois é transcrito/transposto para os regulamentos de supervisão nacional) partilham alguma da responsabilidade pelo que sucedeu.

As directivas de supervisão financeira (Acordos de Basileia), entre outras coisas, definem o valor de fundos próprios que os bancos devem manter para cada uma das actividades que desenvolvem. O princípio subjacente e directivo é que as actividades que comportam mais risco para a solvabilidade dos bancos devem ser mais capitalizadas, ou seja, os bancos devem manter mais capitais próprios, e as menos arriscadas menos capitalizadas. Este princípio, em tudo defensável, teve como consequência (indesejável e não prevista pelos reguladores) a alteração da natureza de risco dos activos que regula.

Sem entrar em discussões sobre a racionalidade de medidas que promovem o crescimento no curto-prazo mas que são míopes e não discernem as suas implicações na solvabilidade de longo-prazo, um agente racional que procure maximizar o valor da sua organização dirige os seus recursos para as actividades com maiores margens de rendibilidade.

Ora, se os regulamentos de supervisão financeira estipulam que o crédito para aquisição de habitação própria é menos arriscado do que qualquer outro crédito não colateralizado por um imóvel, os bancos, mesmo praticando menores spreads, poderão obter maiores taxas de rendibilidade dos fundos próprios, visto que estes créditos exigem menores rácios de capitalização. No caso em questão (e sem pretender ser rigoroso e entrar nos pormenores do Acordo de Basileia), o crédito para aquisição de habitação própria exige apenas fundos próprios de 2.8% enquanto que um crédito de risco médio exige uma capitalização com fundos próprios de 8%. Se o banco praticar um spread de 1% em ambos os créditos, o crédito para aquisição de habitação permitirá uma taxa de rendibilidade bruta (antes de custos fixos e mal-parado) dos fundos próprios de 36% e o outro tipo de crédito uma taxa de rendibilidade bruta de 25% … nada mau!!! mas na prática insustentável pois assenta em rácios de alavancagem brutais. (Nota: o primeiro caso, em que o banco precisa fundos próprios de apenas 2.8%, equivale a um rácio de endividamento de 35x!!!; o segundo caso equivale a um rácio de endividamento de 12,5x!! … pese embora os bancos tenham que manter um rácio mínimo de fundos próprios de 8% (o qual é revisto no Acordo de Basileia III) não é pois de admirar que o sistema financeiro e em particular o bancário esteja tão perto da sua auto-destruição, para mal dos depositantes e credores).

Dado este tratamento tão favorável, não será pois de admirar que os bancos tenham aligeirado os critérios de concessão de crédito à habitação, o que alimentou a bolha especulativa e transformou o perfil de risco desta classe de activos… este processo não foi contudo acompanhado pela alteração dos regulamentos de supervisão pelo que, agora, os resgates sejam necessários.

Os resgates poderiam ter sido evitados se ao longo dos anos os níveis de fundos próprios para o crédito à habitação tivessem sido ajustados por forma a reflectirem o seu risco… mas enfim, é mais fácil fazer prognósticos no fim do jogo.

Actualmente, e de forma até pró-cíclica (o que poderá ter efeitos nefastos e injustificados porque as bolhas já rebentaram e o imobiliário está novamente menos arriscado), os reguladores estão a ser mais exigentes na aplicação dos regulamentos. Por exemplo, no Reino Unido, os regulamentos para a concessão de crédito para a aquisição de imóveis com fins comerciais foram de tal forma alterados que muitos dos bancos estão a desinvestir deste sector, pois as margens de lucro diminuirão consideravelmente.

Este espaço está a ser ocupado por entidades não reguladas, como fundos de investimento, e por seguradoras e fundos de pensões. Curiosamente, os regulamentos que regulam as seguradoras e os fundos de pensões prevêem um tratamento favorável ao crédito para a aquisição de imóveis, o que inconscientemente irá forçar a entrada destas entidades num negócio para o qual tradicionalmente não têm experiência, o que por si só não augura um futuro risonho.

1 comentário:

Pedro Pereira Nunes disse...

O artigo do Ricardo Pereira é muito pertinente pois toca num dos pontos mais importantes actualmente para o sector financeiro: gestão de risco.

Tal como o Ricardo aponta, as medidas agora são pró-cíclicas.

A substituição de dívida - bancos substituídos por Fundos de Investimento, Seguradoras, Fundos de Pensões - então, uma vez que as novas taxas exigidas serão em geral superiores às praticadas pelos bancos, o retorno exigido pelos capitais próprios dos investidores tenderá a aumentar ainda mais.
Isto poderá levar a uma maior pressão sobre os preços - valores de aquisição tenderão a ser mais comprimidos.
A contrapor esse efeito, haverá mais transacções em mercados onde os bancos fecharam a torneira.
Qual efeito pesará mais?
A ver vamos.