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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Um estímulo colossal (ou a outra face do IMI)


Por João Nunes,
Director-Coordenador de Consultoria
Colliers International






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Em Portugal a palavra “estímulo” anda frequentemente associada à ideia do Estado injetar dinheiro na economia ou em alternativa de o mesmo Estado baixar os impostos. Em outras paragens do mundo “estímulo” tem normalmente um entendimento mais lato e vai no sentido de “induzir determinadas atitudes”.

Segundo rezam as crónicas, quando a TROIKA esteve pela primeira vez em Portugal, um dos aspetos que deixou mais espantados os elementos da comitiva foi o estado de degradação de muitos dos edifícios de Lisboa.

Uma das causas desta degradação foi o congelamento das rendas que vigorou durante décadas. Mas não é a única e o problema não se resume à degradação. É um problema de racionalidade, ou segundo alguns economistas de “estímulos errados”.

Vejamos outras consequências desses “estímulos errados”. No Algarve, por exemplo, existem inúmeras habitações de férias encerradas 11 meses por ano. Racional? Não muito. Mas positivo para o ego.

Posso-vos referir outro caso. Há alguns anos tive oportunidade de avaliar um “pequeno palácio de Mafra” que estava a ser (novamente) ampliado com recurso ao crédito bancário. O agregado familiar, composto por 3 pessoas, vivia no anexo da casa mas, importantíssimo, recebia os amigos e familiares no “palácio”...
Hoje encontramos por todo o país um número muito elevado de moradias com áreas excessivas (pequenos palácios) e nas grandes cidades, passou-se a ter apartamentos que, por vezes, tem áreas demasiado generosas.

Tudo isto foi possível porque a facilidade de crédito ajudou a esquecer os custos elevados com a construção, porque os custos de manutenção não foram muitas vezes ponderados e porque existia uma “cultura de possuir bens ao luar” incentivada por um enquadramento fiscal desajustado no tempo. Em suma, parte do País endividou-se para apostar no betão. O problema foi que se endividou emocionalmente e por vezes não muito racionalmente. Uma das causas terá sido os ditos estímulos errados... Então que se mudem os estímulos referiu a TROIKA...

O IMI é um estímulo forte que procura que as pessoas sejam racionais nos investimentos imobiliários que fazem. O que é interessante na reforma do IMI é que não é uma invenção da TROIKA.

Pelo contrário, as regras do IMI começaram a ser aplicadas em 2004 às novas transações mas a “reavaliação geral” foi “empurrada com a barriga” desde então, por falta de coragem. Como aconteceu várias vezes, ao longo da nossa já longa existência como nação, parece que de nada vale aos portugueses explicarem e acenarem com a realidade. É preciso um nome (ou um trio de nomes) de origem (preferencialmente) anglo-saxónica ou germânica para que as “verdades” sejam ouvidas... ou (mais importante que isso) implementadas.

Bem, neste momento, a reavaliação geral do património está a ser implementada (por vezes bem, por vezes, com erros de percurso) e a toda a velocidade (por contraste, agora talvez excessiva).

Mas está a ser colocada em prática numa altura em que o número de pessoas a residir em Portugal se reduz (saídas para o estrangeiro), em que se regista o aumento do número médio de pessoas por habitação (filhos a irem viver com pais, etc) e em que o rendimento disponível dos portugueses diminui.

Toda esta conjugação de fatores faz com que o estimulo para os proprietários possa ser classificado de colossal, como alguém já referiu noutro contexto. A conjugação de fatores não poderá tornar a dose demasiado “cavalar”? Como será a adaptação à passagem de um modelo cultural, que privilegiava “os bens ao luar e alguma inércia da máquina fiscal”, para um modelo predominantemente “darwiniano”?

Os primeiros efeitos da reação ao “estímulo” já aconteceram.

O primeiro, “muito próprio dos países latinos” surgiu no passado Verão quando se soube que o Fisco andava a tirar fotografias aéreas. Num ápice os encerados e os revestimentos verdes esgotaram em muitos distribuidores. Mas só os de cor verde. Porquê? Será que era porque estas coberturas, vistas do céu, imitam bem a relva por cima de piscinas?

Os segundos efeitos registaram-se nas zonas rurais. Nestas zonas as casas mais antigas que se encontravam desabitadas começaram a surgir com o telhado destruído. Será algum Spitfire ou Messerschmitt a destruir as poucas casas não bombardeadas da 2ª Guerra Mundial? Não, são os próprios donos. Pura e simplesmente os proprietários “destravam” o madeiramento do telhado para que a habitação passe a ser considerada “ruína” pelo fisco e reduzirem o montante de IMI a pagar.

Mas estes são apenas os primeiros indícios. O grosso do ajustamento está por fazer. Os proprietários de lotes urbanos, de lojas desocupadas, etc., o que irão fazer com “o IMI a doer” todos os anos? No caso da construção de lojas passará a seguir-se mais um modelo espanhol? É mais racional, embora esteticamente desagradável. Assistir-se-à à devolução à agricultura de alguns terrenos urbanos? Diria que em alguns casos é altamente provável.

Acho que Portugal irá, em 2013, descobrir a verdadeira amplitude da palavra estímulo. Para alguns será uma opção entre a espada e a parede. Mas no final do processo o mercado estará mais equilibrado. Pelo meio, muitos proprietários, irão reinventar a maneira de gerir o seu património. Acabaram os tempos dos “bens ao luar”. A taxa de estacionamento na sombra da Lua passou a ser dolorosa.

Estes tempos de mudança também são tempos de oportunidades. Isto para quem tiver unhas (mais consistentes do que as do Presidente Jorge Gonçalves na sua passagem pelo Sporting).

Votos sinceros de “Boas Unhas” para agarrarem as oportunidades (imobiliárias) que por aí andam. 

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