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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Notas de desalento e esperança no actual contexto imobiliário - II



Por Francisco Silva Carvalho
PTSM - Advogados







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III – Os Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional

Encontra-se disponível, desde Janeiro de 2009, um instrumento legal que, a meu ver, pode ser uma ferramenta de extraordinária rentabilidade para o investimento imobiliário do parque habitacional das cidades, ao mesmo tempo que permite a sua rentabilização e conservação (adiando, para melhores dias, as obras profundas de reabilitação).

Trata-se dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), instituídos pelo Orçamento do Estado para 2009. Estes veículos, como é sabido, foram criados no início da actual crise financeira com o intuito de ajudar os bancos, possibilitando que estes eliminassem dos seus balanços os volumes - que se antecipavam imensos - de crédito hipotecário malparado, adquirindo os imóveis aos proprietários em dificuldades de cumprimento, e arrendando-lhos de volta, mediante rendas mais baratas que a prestação do crédito, juntamente com uma opção de compra dos mesmos.

O regime fiscal destes fundos é verdadeiramente excepcional, e, pese embora já seja conhecido, vale a pena recordá-lo: se cumpridos os requisitos fundamentais que os distinguem dos demais FII (75% do activo ser constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente e, após um ano de actividade, ter um activo com o valor mínimo de € 10M), os FIIAH constituídos até 31 de Dezembro de 2013 gozam, entre outras, das seguintes isenções (totais):

- IRC, em todos os rendimentos obtidos, de qualquer natureza;
- IRS ou IRC, conforme aplicável, relativamente aos rendimentos (dividendos) obtidos pelos titulares de unidades de participação nos FIIAH, excepto as mais-valias resultantes da respectiva alienação;
- IMT, na aquisição de imóveis destinados a arrendamento para habitação permanente;
- IMI, relativamente aos imóveis que integrem a carteira do FIIAH e se destinem a arrendamento para habitação permanente;
- Isenção de taxas de supervisão relativamente à sociedade gestora do FIIAH.

O referido regime vigora até 31 de Dezembro de 2020. A partir desta data, será aplicável o regime geral dos FII.

Não obstante o carácter verdadeiramente extraordinário do regime fiscal aplicável aos FIIAH, estes tiveram muito pouca disseminação, existindo apenas cinco em actividade: quatro de bancos - BANIF, BES, e Caixa - e apenas um particular - CA Arrendamento Habitacional, representado e gerido por Square Asset Management – SGFII, S.A. Quais as razões deste insucesso? A meu ver existem duas fundamentais:

- Os FIIAH foram, e são, associados à banca, tendo-se assumido que não são estruturas adequadas para particulares; e
- Os investidores imobiliários, historicamente, não têm querido apostar no arrendamento habitacional, porque as taxas de incumprimento são muito elevadas, e o processo judicial de recuperação dos imóveis em caso de incumprimento é muito demorado.

O primeiro motivo não tem razão de ser: os FIIAH podem ser constituídos por particulares. Aliás, do ponto de vista do investidor adquirente de UPs, os FIIAH constituídos pelos bancos não parecem ser um negócio rentável, uma vez que os imóveis que integram os seus activos são justamente compostos por arrendamentos a inquilinos com comprovada falta de solvabilidade.

A segunda razão, embora tenha algum peso, deve ser convenientemente relativizada (sobretudo quando confrontada com os benefícios fiscais dos FIIAH): os arrendatários devem ser escolhidos criteriosamente, se possível fazendo uma investigação do histórico financeiro de cada um, e devem ser pedidas as garantias que, de resto, já são normais em qualquer país europeu, designadamente, em Espanha, onde é normal os senhorios pedirem uma garantia bancária de um ano de rendas. No caso Português, e segundo a nossa experiência, uma garantia de 8 ou 10 meses de renda deve cobrir a maior parte do tempo envolvido no processo de recuperação dos imóveis por falta de pagamento de rendas (3 meses desde a data de falta de pagamento da primeira renda, envio de notificação ao inquilino para resolução do contrato + 3 meses após a notificação em que o inquilino pode cessar a mora pagando as rendas em atraso acrescidas de uma penalidade de 50% + dois meses para a execução para entrega do imóvel estar concluída).

IV – Exemplo Prático

Assim, e face ao exposto, cremos que os FIIAH são a opção mais adequada para estruturar um investimento relevante em património de qualidade nos centros das cidades. Damos, como exemplo, a aquisição, por um conjunto de investidores, de um portfolio de cinco prédios, no centro de Lisboa.

A operação faz-se adquirindo prédios com arrendamentos antigos e por essa via negociando descontos substanciais no preço. Por forma a reduzir ainda mais o esforço de capital, poder-se-á associar os proprietários vendedores ao investimento, acordando pagar-lhes uma parte do preço em UPs.

Seleccionam-se prédios com poucos arrendatários antigos na proporção de fracções vazias, permitindo o arrendamento imediato destas últimas, a preços de mercado, após a realização de obras de recuperação que as tornem aptas para ser arrendadas. Em simultâneo, e com tempo, faz-se a gestão dos inquilinos antigos, designadamente actualizando-lhes as rendas, negociando a saída, e/ou procurando formas legais de terminar os respectivos contratos.

Pensamos que um público-alvo interessante para este género de oferta podem ser as faixas etárias mais jovens, que querem morar no centro da cidade, mas se deparam com um mercado de arrendamento altamente inflacionado e com muito pouca oferta.

Nos próximos artigos abordaremos temas relacionados com os arrendamentos antigos e a reabilitação urbana. Entretanto, faço a minha adaptação das palavras institucionais do Gonçalo e desejo a todos excelentes negócios imobiliários!


Nota Final: A par da possibilidade de constituir um FIIAH, a lei consagra a possibilidade de que o mesmo revista a forma de Sociedade de Investimento Imobiliário (SIIMO). Contudo, a possibilidade efectiva de constituição deste tipo de sociedades encontra-se dependente de emissão da correspondente regulamentação por parte da CMVM, o que ainda não sucedeu. Assim, à data de hoje, não existe nenhuma SIIMO constituída.

11 comentários:

Anónimo disse...

Francisco

muito interessante o artigo, obrigado.
Duas dúvidas:
- a possibilidade de se revestir em forma de Sociedade de Investimento Imobiliário (SIIMO) tem alguma vantagem? Menores custos ou obrigações relativamente aos fundos?
- Não existe regulamentação por parte da CMVM para as SIIMO, mas espera-se que num prazo decente se venha a ter?

Obrigado

Bernardo Figueiredo

Homem do Machado disse...

Caro Bernardo,



Respondendo às tuas questões:



1) Em síntese, a opção por uma SIIMO em alternativa a um FII tem as vantagens de: (i) permitir, nas SIIMO autogeridas, poupar as comissões cobradas pela sociedade gestora (SGFII); e de (ii) permitir uma gestão directa dos activos pelos próprios órgãos de administração da SIIMO, ao contrário do que sucede nos FII, que são obrigatoriamente representados e geridos pela sociedade gestora, que é, para todos os efeitos, uma terceira entidade relativamente ao fundo.



2) A previsão legal de constituição de SIIMOs existe desde Junho de 2010 (com a entrada em vigor do Decreto-Lei 71/2010), tendo decorrido cerca de sete meses desde então. No referido diploma não se fixa um prazo à CMVM para emitir a regulamentação respectiva, pelo que não está vinculada a um prazo concreto. Não tenho informações relativamente à data em que podemos esperar o respectivo regulamento. Espero que brevemente.



Caso tenhas qualquer dúvida adicional deixo-te o meu contacto: fsc@pstm.eu



Um abraço

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Bernardo e Francisco,

Deixo apenas mais 2 notas aos vossos comentários:

(1) O diploma das SIIMO é algo confuso. Em muitas coisas remete para o CSC, noutras para o RJFII. Nisto, julgo poder haver ainda uma outra vantagem das SIIMO face aos FII: a possibilidade dos juros poderem ser contabilizados como custo.

(2) O diploma está disponível aqui no blog, na secção de legislação.

Abraço a ambos.

Anónimo disse...

Parabéns pelo artigo.

Poderia explicar melhor a questão da dedutibilidade dos juros?

obrigado

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Já várias pessoas me questionaram sobre a dedutibilidade dos juros nos FII em Portugal.

Apesar de serem um custo e um cash-outflow, na realidade não representam poupança fiscal dado que não são custo para efeitos de cálculo do IRC dos Fundos.

Nos FII, o imposto é calculado sobre a diferença entre receitas e custos directamente relacionados com a actividade, seja ela promoção ou arrendamento. O juro não é considerado como custo directo, para efeitos de cálculo do imposto.

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

E, por favor, identifiquem-se nos vossos comentários!

João Fonseca disse...

Caro Gonçalo,
À partida, os encargos financeiros não são considerados custo dedutível no apuramento do imposto nos FIIs.
Este é um tema pelo qual as Sociedades Gestoras se têm batido ainda sem resultados concretos, embora já tenha ouvido falar nalgumas situações pontuais em que terá sido possível a dedução.
Mas, chamo a atenção para os tipos de fundos mais recentes, como sejam os fundos florestais, os fundos de reabilitação urbana e os fundos de arrendamento habitacional que têm um tratamento fiscal muito vantajoso (isenção de IRC), pelo que a dedutibilidade dos juros deixa de ser um problema.
um abraço,
João Fonseca

Miguel disse...

"Nos FII, o imposto é calculado sobre a diferença entre receitas e custos directamente relacionados com a actividade, seja ela promoção ou arrendamento. O juro não é considerado como custo directo, para efeitos de cálculo do imposto."

Isto resulta dalgum entendimento da A.F.? é que se o custo é conexo com a actividade porque razão não será dedutível?

Obrigado

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Olá Miguel.

Antes de mais, não entendi o que é A.F...

Quanto à pergunta, para além desta ser a prática generalizada dos fundos e a minha própria experiência nos trabalhos que tenho efectuado de análise e avaliação de carteiras de FII, pode consultar o Regulamento da CMVM, nº8/2002 (acho que ainda está em vigor), no seu Art. 12º, onde constam os encargos dos Fundos.

Este regulamento encontra-o aqui no blog, na secção de legislação.

Abraço.

Miguel disse...

Caro Gonçalo,

a A.F. é a Administração Fiscal,

quanto ao regulamento que referiu parece abrir as portas para outros encargos não especificamente previstos.

Sinceramente parece-me que se houver alguma limitação na dedutibilidade do custo será apenas de natureza regulatória e não tributária (pelo que se não tivesse na contabilidade do Fundo teria de deduzir ao lucro tributável do mesmo).

Peço desculpa por esta incursão pela fiscalidade, mas a tributação dos Fundos interessa-me bastante.

Um abraço,
Miguel

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Miguel,

Não tem nada de pedir desculpa, o blog serve para isto mesmo.

Se quiser, envie-me um e-mail que podemos trocar algumas ideias sobre este assunto para não nos estarmos a alongar e repetir aqui nos comentários.

Abraço,

Gonçalo