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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O regime do reinvestimento em IRS para a alienação e aquisição de habitação própria e permanente

O artigo 10º, nº5, do Código do IRS, prevê uma exclusão de tributação para as mais-valias realizadas quando o sujeito passivo aliena a sua habitação própria e permanente (“imóvel antigo”), desde que utilize o valor de realização resultante dessa venda para adquirir um “imóvel novo”, com o mesmo destino, durante um lapso temporal que vai desde os 24 meses anteriores à data da realização até aos 36 meses posteriores a ela.

Tenho infelizmente constatado, na minha prática profissional, que este regime, traiçoeiro e cheio de alçapões, tem trazido graves dissabores a muitos contribuintes, quase sempre por falta de uma análise fiscal prévia às decisões de compra e venda de imóveis.

Uma situação que tem gerado litígios é a dos sujeitos passivos que adquirem o “imóvel novo” (v.g. em 2015) antes de alienarem o “antigo” (v.g. em 2016). Normalmente, eles (i) necessitam de recorrer a crédito bancário para aquisição do “novo” (em 2015), e pretendem depois (ii) recorrer ao regime fiscal do reinvestimento instituído para a aquisição ocorrida nos 24 meses anteriores à data da realização/venda do “imóvel antigo”, (iii) aproveitando o valor de realização deste último para amortizar (em 2016) o crédito bancário contraído (em 2015). 

Uma factualidade deste tipo foi apreciada por um Tribunal Arbitral instituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa no processo nº 343/2014-T, tendo o mesmo entendido que: “90. (…) para ser considerado reinvestimento relevante teria que existir um nexo de causalidade entre o valor de realização da mais-valia resultante da venda do Imóvel 1 e a amortização extraordinária do empréstimo contraído para a aquisição do Imóvel 2. 91. Não tendo sido provado [no caso] este nexo de causalidade (…)” (inserção e negritos meus). 

Abstraindo das questões de prova (o contribuinte não conseguiu, no processo, demonstrar certos factos, na opinião do Tribunal), importa reter que ao sujeito passivo de IRS, em geral, como bem diz a decisão, tem de ser dada oportunidade de comprovar o nexo de causalidade exigido entre o valor de realização gerado pela alienação do imóvel antigo e a amortização de empréstimo contraído para a aquisição do novo e, em consequência, a afectação dos fundos obtidos com a venda à amortização, designadamente obtendo para o efeito, junto do banco, documentos que a comprovem.

O Tribunal disse igualmente: “92. (…) Equiparar a amortização do empréstimo a um «reinvestimento», apesar de todo o mérito que a mesma possa ter, parece a este Tribunal Arbitral uma interpretação que vai para além da letra e do espírito da norma, ainda para mais quando o referido nexo de causalidade não se mostra provado” (negrito meu).

Este trecho, à primeira vista, parece contraditório com o do ponto 90., acima transcrito. Na minha opinião, e salvo o devido respeito, a expressão “ainda para mais” (que sugere que a amortização do empréstimo nunca poderia traduzir-se num reinvestimento, sendo secundário que o referido nexo não se mostre provado) não foi feliz e deve ser omitida na leitura.

A meu ver o que Tribunal pretendeu dizer foi apenas que não basta demonstrar que a amortização do empréstimo é posterior à venda do imóvel. No fundo, o Tribunal não aceita o argumento post hoc ergo propter hoc (depois da venda é necessariamente por causa da venda ou com base nos fundos proporcionados por esta). Há, na opinião deste, que evidenciar claramente a relação e os cálculos que provam a afectação do produto da venda do imóvel antigo à amortização do empréstimo para a aquisição do novo. O espírito dos árbitros terá sido, pois, ligeiramente traído pela letra da decisão, algo que acontece, como aliás é o caso dos autos, aos melhores.

Esta será a leitura correcta e articulada das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS: a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização (destaques meus). 

Como explicita o Professor RUI DUARTE MORAIS (in Sobre o IRS, 3.ª Edição, Almedina, 2014, p. 137) “O objetivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”.

Possibilitar a aplicação do regime do reinvestimento numa situação como a descrita não só é condizente com a teleologia da norma como é exigido pelo princípio constitucional da capacidade contributiva. Efectivamente, impedir tout court a exclusão de tributação dos sujeitos passivos que, antes da alienação do imóvel antigo, necessitam de recorrer ao crédito bancário para a aquisição do imóvel novo, eliminaria do âmbito de beneficiários do regime a maioria da população. 

Tal interpretação não promoveria a justa repartição dos encargos tributários, esvaziaria quase totalmente de sentido (socialmente) útil o regime, e muito reduziria a fluidez do mercado imobiliário, obrigando a que, por razões puramente fiscais, verdadeiramente distorcivas, os agentes económicos não tomassem as melhores decisões, norteados apenas pelos factores económicos em presença, alterando os timings naturais da compra e venda de casas. Ou seja, precisamente o contrário do que se ensina nos manuais de economia e de fiscalidade: que o imposto deve ser o mais neutral possível, não gerando efeitos de substituição ou lock-in nos agentes económicos.

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Várias outras questões se suscitam a propósito deste regime de reinvestimento em IRS. Abordá-las-ei numa próxima oportunidade. 

PS: Agradeço aos meus Colegas Drs. Ana Rita Pereira e Carlos Alcântara Neves o auxílio na elaboração deste texto.

Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
Sócio-Administrador da RPBA (Ricardo da Palma Borges & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.)
ricardo@rpba.pt

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