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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Eles comem tudo, eles comem tudo...

Vampiros, é o nome da música. Cantada, escrita e celebrizada por Zeca Afonso. E perfeitamente adequada ao que estamos a viver, neste preciso momento, no mercado imobiliário em Portugal.

Começou logo no início da silly season, a ver se ninguém dava conta, com a alteração das regras de cálculo do Valor Patrimonial Tributário (VPT) para efeitos de cálculo do IMI. Chamaram-lhe o imposto das vistas e sobre isso muito se falou. Já não é a primeira vez que um Governo faz alterações pontuais à fórmula de cálculo do VPT, levando a um aumento da tributação em sede de IMI. Por exemplo, o coeficiente de vetustez já foi alterado desde 2003 (ano de entrada em vigor do novo CIMI).

Agora é o novo imposto sobre os grandes patrimónios imobiliários, para os imóveis cujo valor patrimonial tributário esteja acima de € 500.000.

O que este Governo pretende fazer não é redistribuir riqueza nem criar nenhum tipo de justiça fiscal. Lamento, mas desengane-se quem ainda vai na conversa. O que este Governo pretende fazer é ir buscar dinheiro sempre ao mesmo sítio, prejudicando sempre os mesmos, com a conversa da justiça fiscal (que não existe, repito). Vamos por partes.

A alteração das regras de cálculo do VPT tem, para mim, um objectivo muito simples: ir buscar mais imposto num mercado cuja valorização se tem concentrado fundamentalmente no centro de Lisboa e Porto. A conversa da adequação da fórmula do IMI à realidade do mercado é só para quem quer ouvir. A realidade, essa, é outra: o mercado valorizou bastante em locais onde, outrora, os preços eram baixos e a actividade de compra e venda também, e o Governo não quis ficar a ver a voar a possibilidade de ganhar com isso. Esta foi a forma mais airosa encontrada. Terminar com as isenções existentes, nomeadamente a partidos políticos e associações sindicais, inclusive a parques de estacionamento, isso nem pensar.

Já este novo imposto sobre o imobiliário, configura (mais uma vez) uma dupla, tripla, quádrupla taxação. É bom que se entenda que património imobiliário não representa, obrigatoriamente, riqueza, logo a conversa de que este imposto pretende taxar aqueles que fogem aos impostos é só isso... conversa! Terminar com subvenções a partidos políticos, subvenções vitalícias a antigos deputados, isso já não traria nenhuma justiça. 

Pensemos na seguinte situação:
  • O Sr. A, trabalhou toda uma vida. Poupou € 600.000 que foi investindo num PPR. Teve benefícios fiscais com esse investimento. Não pagou impostos sobre o mesmo. Agora, reformado, receberá o valor investido devidamente capitalizado;
  • O Sr. B, trabalhou toda uma vida. Poupou € 600.000 que, ao longo da sua vida, foi investindo em imóveis para arrendamento e/ou valorização. Durante a sua vida, viu as rendas serem-lhe congeladas, os impostos a subir, os custos de manutenção a aumentar, o imóvel a desvalorizar. Rentabilidade, zero! Finalmente, agora, podendo cobrar uma renda justa de mercado, dizem-lhe que enquanto senhorio tem uma função social na sociedade e terá ainda de pagar um imposto adicional, para além de todos aqueles que já paga - IMI, taxas municipais, imposto sobre rendas.
Quem destes senhores é mais rico? O Sr. B só porque tem imóveis? Quem é que pagou mais impostos ao longo da sua vida?

Esta distorção da visão que se tem sobre um proprietário imobiliário em Portugal tem de terminar. É que se, por um lado, o Governo gosta de dizer que tem uma função social para poder justificar medidas injustificáveis, por outra gosta de lhe chamar capitalista e rico para o poder taxar mais e mais.

Nem sequer o facto do dito imposto vir a ser progressivo pode justificar tal opção. Investir em imobiliário, para muitos, é uma forma de aforro como outra qualquer. Esta discriminação sobre "as grandes fortunas imobiliárias" cria uma enorme distorção no mercado. Não existem fortunas imobiliárias: existem fortunas, ponto. Querem taxá-las? Querem começar a taxar poupança? Assumam-no!

Isto chega quase a ser maquiavélico: primeiro incentivamos um determinado tipo de investimento; depois vemos como o podemos taxar cada vez mais. A nossa história recente é feita disto: da criação de incentivos para fomentar uma determinada actividade e da sua posterior taxação. O imobiliário, nisto, é pródigo. Veja-se o exemplo dos Fundos Imobiliários, a aquisição de primeira habitação, os golden visa. Exemplos não faltam.

Acho que já chega. Já chega de comerem tudo, comerem tudo e não deixarem nada. É que a seguir, não sobra mesmo nada: nem proprietário, nem investidor, nem imposto, nem nada. Depois pouco ou nada haverá ainda para comer.

Bons negócios (imobiliários)!

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