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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Onde andam as alfaces de Lisboa?

Alfacinhas. Termo pelo qual um lisboeta é conhecido. Confesso que não tinha ideia do porquê, por isso fui investigar. Pesquisa rápida na net e rapidamente se conclui que as teorias são algumas e ninguém está certo de nenhuma delas.

Ao que consta, durante a ocupação dos mouros, começou-se a cultivar alfaces em Lisboa, na altura conhecida por Al-Hassa. Num guerra, reza a lenda que os moradores de Lisboa na altura a única que tinham para comer era... alface.

Outras lendas rezam que uma tribo sahariana ocupou em tempos Lisboa e Sintra, instalando-se nos seus arredores. Eram conhecidos como "saloios", por estarem fora de portas e abastecerem quem estava dentro com produtos hortícolas, nomeadamente... alfaces.

Enfim... histórias há muitas e não é esta de que vos quero falar hoje. Hoje escrevo-os sobre o impacto do Alojamento Local (AL) em Lisboa.

No Concelho de Lisboa, segundo dados do INE, existiam 323.422 alojamentos familiares clássicos em 2015. Há relativamente pouco tempo, fiz uma análise rápida sobre a ocupação da habitação em Lisboa e concluí que:
  • Mais de 15% encontrava-se devoluta;
  • Mais de 70% estava ocupada como residência habitual;
  • Destas, pouco mais de 40% estava arrendada.

Os bairros/freguesias ditas "históricas" da cidade, mais antigas, apresentavam um maior peso no arrendamento. São Miguel, Santa Justa, Socorro, Santiago, Santo Estevão, todas com mais de 70% de fracções arrendadas; outras, também em zonas históricas e centrais da cidade (Graça, São José, Santos-o-Velho, entre outras), com percentagens acima dos 60%. É certo que também nestas freguesias, o peso de fracções devolutas era normalmente superior (em média, todas estas freguesias apresentavam um stock devoluto na ordem dos 30%, face aos 15% de toda a cidade).

Uma consulta rápida ao Turismo de Portugal permite concluir que existem mais de 6.000 registos de AL em Lisboa. Vendo apenas assim, concluimos que uma pequena minoria da habitação em Lisboa está dedicada ao AL. No entanto, um estudo recentemente realizado pela Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) conclui que em certas freguesias, esse peso é superior a 10%, como acontece na freguesia de Santa Maria Maior (onde se incluem bairros como Mouraria, Alfama, Castelo, Chiado e Baixa) com 22% das casas alocadas ao turismo e a freguesia da Misericórdia (Santa Catarina, Santa Justa, por exemplo) com 18,5%.

O crescimento desta actividade foi avassalador. Em muito pouco tempo, desapareceram casas para arrendar em Lisboa, os preços de venda dispararam e as rendas também. Segundo dados da ImoEconometrics, em Outubro de 2015, apenas 6% da oferta de habitação nova em Lisboa se situava numa gama de preços superior a € 4.000 /m2: Passado um ano, em Outubro de 2016, a habitação na gama de preços superior a € 4.000 /m2 passou a representar 75% da oferta de habitação nova.

Ainda segundo dados do SIR - Sistema de Informação Residencial - em pouco mais de 1 ano registaram-se mais de 6.000 transacções no centro da cidade, num montante superior a 2 mil milhões de euros, com forte concentração na Baixa, Chiado, Alfama e Graça. O valor médio de transacção de prédios para reabilitação nestas zonas está já próximo dos € 1.500 /m2, havendo casos de transacções já nos € 3.500 por m2.

Uma das questões que se coloca e se deve realmente colocar hoje sobre este tema prende-se exactamente com isto: com a concentração da actividade em zonas ditas históricas e centrais da cidade, e os efeitos que provoca na sua dinâmica de habitação e preços de venda e arrendamento. Se, por um lado, os benefícios são evidentes ao nível da reabilitação urbana, do aumento do investimento, das consequências ao nível do comércio, são também por demais evidentes as desvantagens ao nível do barulho, da higiene, da incapacidade de resposta em termos de equipamentos, da desertificação dos centros e, como se viu, do aumento desenfreado dos preços e escassez de oferta para arrendamento.

Esta discussão, aliás, tem estado na ordem do dia em diversas cidades por esse Mundo fora:
  • Nova Iorque: foi recentemente aprovada uma lei que prevê multas elevadíssimas a proprietários de casas que as coloquem no mercado por períodos inferiores a 30 dias;
  • Barcelona: desde 2015 que a Câmara local já não emite mais licenças turísticas para o centro da cidade, perante a crescente desertificação e descaracterização da mesma;
  • Ainda em Barcelona, e de certa forma relacionado com este tema, a Câmara aplicou uma multa superior a € 1 milhão ao Santander, BBVA e SAREB por terem nos seus balanços casas desocupadas há mais de dois anos;
  • Em Londres e Amesterdão, a própria plataforma Airbnb está a impedir os proprietários de arrendar as suas casas, para fins turísticos, mais de 90 e 60 dias por ano, respectivamente, no seguimento de imposições legais locais;
  • Desde 1 de Maio que Berlim proíbe o aluguer de apartamentos e casas inteiras através do Airbnb e de plataformas online semelhantes. Os turistas podem apenas arrendar quartos. A medida visa proteger o preço das rendas, que aumentou em 56% entre 2009 e 2014.
Todas estas medidas - e são apenas alguns exemplos - pretendem prevenir os evidentes malefícios do alojamento local e da proliferação do turismo na habitação de uma cidade:
  • O aumento desenfreado nos preços de venda, com evidentes bolhas imobiliárias muito localizadas em algumas das cidades acima mencionadas;
  • O aumento das rendas urbanas e a grande escassez de oferta para arrendamento;
  • A consequente fuga de residentes para fora das cidades e dos principais centros urbanos, com consequente desertificação dos mesmos.
O caso de Londres

Londres é apenas um de muitos casos. Lá, como cá, rapidamente proprietários e investidores perceberam a vantagem económica do short-term rental. Lá, como cá, o imobiliário é fiscalmente apetecível e a carga fiscal sobre o buy-to-let tornou-se grande e o negócio desinteressante. O aumento do número de casas para arrendamento turístico foi grande, com especial incidência no centro da cidade:

O crescimento da actividade levou a um forte decréscimo de stock disponível para arrendamento de longa duração no centro da cidade, para além do natural aumento dos preços de venda e de arrendamento. Contas feitas, o negócio do short-term rental pode chegar a originar 2,5 vezes mais rendimento do que o arrendamento de longa duração:


Na sequência destas alterações de mercado, foi imposta a "90 day rule" que obriga os proprietários de habitações em Londres de não as colocar no mercado turístico por mais de 90 dias por ano. O site Airbnb já anunciou que irá contemplar tal regra na sua página, monitorizando e obrigando os proprietários a cumpri-la. Isto obrigará proprietários e investidores a adequar o produto ao mercado, procurando arrendatários por períodos mais longos e preenchendo os gaps do ano com o short-term rental para tornar o negócio atractivo. Caso contrário, os fundamentais do mesmo, utilizados na tomada de decisão de investimento, cairão por terra.

E Lisboa?

O que queremos para Lisboa, então? Uma cidade cujo centro é ocupado apenas por turistas ou uma cidade pujante e verdejante de alfaces? Eu gosto dos turistas, Eu quero cá muitos turistas. Mas com qualidade de vida. Com gente, alfacinhas, Para todos e não apenas alguns.

Devo a um amigo e colega de trabalho a melhor definição que alguma vez ouvi sobre Turismo: "A visita do Homem ao Homem". Se não houver gente a visitar numa cidade, que raio de turismo lá se irá fazer?

Bons negócios (imobiliários)!


Fontes e Créditos:

  • Imagem retirada do blog frenesilivros
  • Caso de Londres retirado do Jornal Finantial Times
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Por Gonçalo Nascimento Rodrigues
Out of the Box, Main Thinker

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