A profissão de perito avaliador de imóveis é muito interessante, devido à multiplicidade de situações, todas diferentes, que acontecem no dia-a-dia do seu trabalho.
Neste artigo, vamos abordar um aspeto que não tem sido referido nas discussões que têm existido nos últimos tempos sobre o mercado de arrendamento. Referimo-nos à transferência do poder negocial do senhorio para o inquilino e como a avaliação de imóveis pode ajudar a equilibrar os pratos de uma balança que neste momento pende para um dos lados.
Como é do conhecimento geral, uma das alterações efetuadas na Lei do Arrendamento não habitacional, depois que este Governo tomou posse, foi o prolongamento do período de transição para o NRAU, em contratos de arrendamento não habitacionais anteriores ao Decreto-Lei 257/95, de 30 de setembro. Agora, o período de transição é de dez anos, em vez de cinco, e a invocação do regime de exceção é de cinco anos, ao contrário do que acontecia antes, que era de três. Num caso limite, se um estabelecimento comercial transitar agora para o NRAU, só daqui a quinze anos o senhorio poderá dispor livremente do seu imóvel.
Estão enquadrados nos regimes de exceção as microempresas, as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, pessoas coletivas privadas que prossigam atividades de interesse nacional, casas fruídas por repúblicas de estudantes e ainda estabelecimentos ou entidades de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelos municípios.
Não cabe aqui julgar a oportunidade da medida, ou a sua justiça social, mas sim questionar o impacto que ela tem no valor do direito de propriedade.
Talvez com duas situações práticas se explique melhor sobre o que queremos refletir.
- Um senhorio pede a um avaliador de imóveis que estime o valor de mercado da sua propriedade, que transitará para o NRAU num prazo de 15 anos. Em bom rigor, teremos de fazer refletir na nossa avaliação que durante 15 anos receberá de renda anual 1/15 avos do seu valor patrimonial tributário e que só depois receberá uma renda de mercado.
- Suponhamos agora que, face à situação anterior, o inquilino comprou o direito de propriedade pelo valor estimado pelo avaliador. Pede a um segundo avaliador que estime novamente o valor de mercado da propriedade. O inquilino que virou senhorio verificará que o valor do imóvel será substancialmente superior. De facto, ele pode tornar o imóvel devoluto e arrendá-lo desde logo a uma renda de mercado.
A alteração legislativa permitiu que os inquilinos ficassem com um poder negocial acrescido, e que é tanto maior quanto mais anos faltarem para a passagem dos imóveis para o regime livre. Podem conseguir uma mais-valia muito interessante, fazendo-se valer junto do senhorio da nova janela de oportunidade que lhe é concedida.
Colocamos agora a questão de saber se a avaliação de imóveis tem soluções para ultrapassar esta ineficiência. Existirá um valor que seja justo para a primeira transação atrás referida?
De facto, existe uma base de valor, diferente da de valor de mercado, que resolve esta questão. A base de valor chama-se, segundo as International Valuation Standards, Valor Equitativo. O Valor Equitativo, por definição, é “o preço estimado para a transferência de um ativo ou passivo entre partes identificadas, conhecedoras e interessadas, refletindo os respetivos interesses dessas partes” (IVS 104 parágrafo 50.1, tradução nossa).
O Valor Equitativo exige a avaliação do preço que é justo entre duas partes específicas identificadas, considerando as respetivas vantagens ou desvantagens que cada uma delas obterá com a transação. Em contrapartida, o Valor de Mercado requer que quaisquer vantagens ou desvantagens que não estejam disponíveis para os participantes do mercado sejam desconsideradas.
Diríamos que o valor justo para a transação entre o senhorio e o inquilino deveria ficar a meio caminho entre o valor do imóvel, considerando que ele só está disponível daqui a 15 anos, e o valor que ele teria se estivesse devoluto à data da avaliação.
Estando o Governo a regular o mercado, tentando estabelecer um equilíbrio de forças entre senhorios e inquilinos, não deveria também tentar equilibrar os pratos desta balança? Da mesma forma que existirão senhorios que se aproveitaram de uma certa permissividade legislativa, o mesmo poderá acontecer agora com os inquilinos.
Também existem inquilinos ricos que podem prejudicar senhorios pobres!
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João Fonseca, MRICS
Chartered Valuation Surveyor / RICS Registered Valuer
Perito Avaliador de imóveis
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