Por Rui Bexiga Vale
Arquitecto - Owner of rbv.arq
--
Como será do conhecimento de todos, acabou há pouco tempo (a 13 de Maio, curiosa coincidência) o período para a discussão pública do Regulamento do novo PDM de Lisboa, documento que para os próximos anos irá ditar a forma de intervir na cidade, no que à nossa actividade concerne.
Destaco, da sua leitura imediata, três aspectos potencialmente complexos que podem ter implicações bastante importantes para o negócio imobiliário e que são os seguintes:
a) Os Créditos de Construção
Estabelece a CML, no artigo 84.º desta proposta de PDM, a criação de Créditos de Construção a atribuir a operações urbanísticas com interesse municipal (listadas no seu número 3, aonde se inclui naturalmente a reabilitação de edifícios e o restauro de bens patrimoniais, bem como a oferta de fogos sujeitos a valor máximo de renda ou preço de venda e a integração de conceitos bioclimáticos e de eficiência energética).
O valor destes créditos é estabelecido em metros quadrados de construção, que podem ser utilizados na operação que os cria ou noutras, com excepções, tais como, intervenções em edifícios patrimoniais e na edificabilidade virtual decorrente da cedência de terrenos integrados em Espaços Verdes de Produção e Recreio, que falaremos seguidamente).
A ideia parece-me louvável mas a sua implementação pode tornar-se algo difícil, senão vejamos um exemplo: um proprietário deseja reabilitar o seu edifício, o que lhe confere créditos. Mas a esse proprietário não lhe servem esses créditos para nada, pois não vê interesse ou possibilidade em aplicá-los. O empreiteiro que fará as obras é que poderá estar interessado, e nesse caso entra em acordo com o proprietário para que os ceda.
E aqui começa a primeira dúvida: esses créditos podem ser cedidos a título oneroso? E em caso afirmativo, a que valor? Quem titula esses créditos? E o valor desses créditos é igual em todo o lado? Ou seja, os créditos obtidos em operações urbanísticas na Lapa (por exemplo), não valerão mais, em termos de mercado, que os créditos obtidos em operações urbanísticas na Musgueira (por exemplo)? E qual é esse mercado? Quem o regula? E esses créditos são perenes ou numa próxima vereação a CML decide extingui-los e assim denegar os direitos de edificabilidade que eles conferiram ao seu titular?
Todos sabemos que o mercado imobiliário é um mercado pouco transparente, isto é, em que normalmente a quantidade e qualidade da informação não se encontra igualmente distribuída entre o comprador e o vendedor, pelo que um módico de regulamentação seria apropriado, para garantir igualdade de condições. Espero contudo que essa regulamentação, que a própria CML refere que irá fazer, seja capaz de lidar com estas particularidades, porque a minha convicção é de que estes créditos terão mais de veículo financeiro do que incentivo aos objectivos que a CML persegue. Não tenho nada contra, mas esperemos para ver, porque nada foi ainda veiculado.
b) Ampliações condicionadas a arrendamento ou preço de venda controlado
Tenho grandes dúvidas sobre a viabilidade desta medida, estabelecida no artigo 42º, pois o que se infere é tão-somente isto: as ampliações de edifícios que podem ser efectuadas até à cércea do confinante mais alto tem de obrigatoriamente ser habitação (nada contra) mas 50% da superfície de pavimento acrescida (sublinhado meu) tem de ser sujeita a valor máximo de renda ou preço de venda. Ou seja, da forma como o Regulamento está redigido, metade da área de ampliação, que é a do(s) último(s) piso(s), a mais apetecível, comercialmente interessante, com vista, etc., etc., em suma, a melhor, tem de ser cerceada por factores sócio-económicos externos ao mercado! Espero que possa haver alguma inteligência da CML neste aspecto para reformular este preceito (bastando especificar que esses 50% de superfície de pavimento acrescida possam ser supridos por qualquer fracção no prédio), porque o bom senso mandaria que em edifícios destinados a venda não se misturassem realidades sócio-económicas demasiado diferentes...
c) Espaços Verdes
Verifica-se que a maior parte dos espaços que anteriormente (isto é, na vigência do PDM de 1994) estavam classificadas como Quintas Históricas, com edificabilidade possível mas previamente titulada por um plano de pormenor, são agora classificados como Espaços Verdes de Produção e Recreio no artigo 50.º deste novo PDM, aonde a edificabilidade é praticamente impossibilitada (terrenos com menos de 2 ha não são passíveis de edificação e acima desta área só é aceitável um índice de 0,1).
A CML propõe como contrapartida à sua cedência, a título gratuito para domínio municipal, a atribuição dos Créditos de Construção correspondentes a uma edificabilidade de 0,3, mas só para terrenos com mais de 2 ha, porque menos do que isso não estará aparentemente interessada.
Porque é que deve impender um ónus de não edificabilidade num terreno em que a própria CML não terá qualquer interesse em ficar proprietária?! Na medida em que tenho a convicção que os últimos terrenos disponíveis para edificação em Lisboa são maioritariamente classificados como Espaços Verdes de Produção e Recreio, interrogo-me se existirão assim tão poucos terrenos com 2 ha (20.000 m2) ou menos, com óbvias potencialidades construtivas mas que passarão a constituir “buracos” no tecido urbano porque a CML não os quer nem os proprietários os poderão rentabilizar.
E assim sendo, entre a Troika e o novo PDM, votos de bons (ou pelo menos, os melhores possíveis...) negócios imobiliários!
Arquitecto - Owner of rbv.arq
--
Como será do conhecimento de todos, acabou há pouco tempo (a 13 de Maio, curiosa coincidência) o período para a discussão pública do Regulamento do novo PDM de Lisboa, documento que para os próximos anos irá ditar a forma de intervir na cidade, no que à nossa actividade concerne.
Destaco, da sua leitura imediata, três aspectos potencialmente complexos que podem ter implicações bastante importantes para o negócio imobiliário e que são os seguintes:
a) Os Créditos de Construção
Estabelece a CML, no artigo 84.º desta proposta de PDM, a criação de Créditos de Construção a atribuir a operações urbanísticas com interesse municipal (listadas no seu número 3, aonde se inclui naturalmente a reabilitação de edifícios e o restauro de bens patrimoniais, bem como a oferta de fogos sujeitos a valor máximo de renda ou preço de venda e a integração de conceitos bioclimáticos e de eficiência energética).
O valor destes créditos é estabelecido em metros quadrados de construção, que podem ser utilizados na operação que os cria ou noutras, com excepções, tais como, intervenções em edifícios patrimoniais e na edificabilidade virtual decorrente da cedência de terrenos integrados em Espaços Verdes de Produção e Recreio, que falaremos seguidamente).
A ideia parece-me louvável mas a sua implementação pode tornar-se algo difícil, senão vejamos um exemplo: um proprietário deseja reabilitar o seu edifício, o que lhe confere créditos. Mas a esse proprietário não lhe servem esses créditos para nada, pois não vê interesse ou possibilidade em aplicá-los. O empreiteiro que fará as obras é que poderá estar interessado, e nesse caso entra em acordo com o proprietário para que os ceda.
E aqui começa a primeira dúvida: esses créditos podem ser cedidos a título oneroso? E em caso afirmativo, a que valor? Quem titula esses créditos? E o valor desses créditos é igual em todo o lado? Ou seja, os créditos obtidos em operações urbanísticas na Lapa (por exemplo), não valerão mais, em termos de mercado, que os créditos obtidos em operações urbanísticas na Musgueira (por exemplo)? E qual é esse mercado? Quem o regula? E esses créditos são perenes ou numa próxima vereação a CML decide extingui-los e assim denegar os direitos de edificabilidade que eles conferiram ao seu titular?
Todos sabemos que o mercado imobiliário é um mercado pouco transparente, isto é, em que normalmente a quantidade e qualidade da informação não se encontra igualmente distribuída entre o comprador e o vendedor, pelo que um módico de regulamentação seria apropriado, para garantir igualdade de condições. Espero contudo que essa regulamentação, que a própria CML refere que irá fazer, seja capaz de lidar com estas particularidades, porque a minha convicção é de que estes créditos terão mais de veículo financeiro do que incentivo aos objectivos que a CML persegue. Não tenho nada contra, mas esperemos para ver, porque nada foi ainda veiculado.
b) Ampliações condicionadas a arrendamento ou preço de venda controlado
Tenho grandes dúvidas sobre a viabilidade desta medida, estabelecida no artigo 42º, pois o que se infere é tão-somente isto: as ampliações de edifícios que podem ser efectuadas até à cércea do confinante mais alto tem de obrigatoriamente ser habitação (nada contra) mas 50% da superfície de pavimento acrescida (sublinhado meu) tem de ser sujeita a valor máximo de renda ou preço de venda. Ou seja, da forma como o Regulamento está redigido, metade da área de ampliação, que é a do(s) último(s) piso(s), a mais apetecível, comercialmente interessante, com vista, etc., etc., em suma, a melhor, tem de ser cerceada por factores sócio-económicos externos ao mercado! Espero que possa haver alguma inteligência da CML neste aspecto para reformular este preceito (bastando especificar que esses 50% de superfície de pavimento acrescida possam ser supridos por qualquer fracção no prédio), porque o bom senso mandaria que em edifícios destinados a venda não se misturassem realidades sócio-económicas demasiado diferentes...
c) Espaços Verdes
Verifica-se que a maior parte dos espaços que anteriormente (isto é, na vigência do PDM de 1994) estavam classificadas como Quintas Históricas, com edificabilidade possível mas previamente titulada por um plano de pormenor, são agora classificados como Espaços Verdes de Produção e Recreio no artigo 50.º deste novo PDM, aonde a edificabilidade é praticamente impossibilitada (terrenos com menos de 2 ha não são passíveis de edificação e acima desta área só é aceitável um índice de 0,1).
A CML propõe como contrapartida à sua cedência, a título gratuito para domínio municipal, a atribuição dos Créditos de Construção correspondentes a uma edificabilidade de 0,3, mas só para terrenos com mais de 2 ha, porque menos do que isso não estará aparentemente interessada.
Porque é que deve impender um ónus de não edificabilidade num terreno em que a própria CML não terá qualquer interesse em ficar proprietária?! Na medida em que tenho a convicção que os últimos terrenos disponíveis para edificação em Lisboa são maioritariamente classificados como Espaços Verdes de Produção e Recreio, interrogo-me se existirão assim tão poucos terrenos com 2 ha (20.000 m2) ou menos, com óbvias potencialidades construtivas mas que passarão a constituir “buracos” no tecido urbano porque a CML não os quer nem os proprietários os poderão rentabilizar.
E assim sendo, entre a Troika e o novo PDM, votos de bons (ou pelo menos, os melhores possíveis...) negócios imobiliários!
Sem comentários:
Enviar um comentário