Por João Fonseca
ECS Capital
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Aqui há uns tempos o Gonçalo NR escreveu um post em que falava dos perigos da decisão de investimento baseada apenas na yield (para os que acabaram de chegar a este blog, a yield é o quociente entre o rendimento anual – as rendas totais de um imóvel – e o valor desse imóvel), sem ter em consideração o risco de perda de valor do imóvel, que gerava situações de negative equity (traduzindo, menos-valias!) e que gerou alguma discussão no blog. Aqui vai mais uma achega...
O investimento imobiliário tem duas componentes de valorização, a “renda” e o “retorno de capital”, ou seja, o rendimento anual gerado pelo arrendamento do imóvel (se estiver arrendado e enquanto o inquilino pagar a renda...) e a mais-valia potencial gerada pela evolução do valor de mercado do imóvel. À semelhança do investimento em acções, há um dividendo distribuído anualmente, mas a mais-valia só se concretiza com a venda do activo.
Vamos analisar neste artigo apenas a componente de valorização de capital.
Tradicionalmente, o investimento em imobiliário é considerado uma boa defesa contra a inflação, ou seja, o valor do imóvel tende a acompanhar a evolução do custo de vida. Isto vem em todos os livros da especialidade, mas convém ler as letras pequenas que acompanham estes chavões. Esta afirmação é verídica, tem evidência histórica, mas só é (garantidamente) válida para análises em períodos de médio a longo prazo.
A perda de valor dos imóveis pode ocorrer de duas formas:
- em cenários de desvalorização do mercado, com perda de valor nominal, como tem ocorrido nos últimos 3 anos em Portugal;
- em cenários de estagnação de mercado, em que os preços se mantêm nos mesmos valores, mas a inflação vai “comendo” valor ao imóvel – a chamada perda em valor real – o que aconteceu em Portugal entre 2001 e 2008;
Para exemplificar o que acabei de referir, apresento no gráfico seguinte a evolução do índice Confidencial Imobiliário (CI) para Portugal, desde 1988 até 2010, juntamente com um índice da evolução da inflação no mesmo período (obtidos respectivamente dos sites www.confidencialimobiliario.com e www.pordata.pt, vale a pena explorar!):
Como podem ver, desde 1988 até à actualidade, os dois índices têm evoluído com comportamento semelhante, algumas alturas com o imobiliário a valorizar a uma taxa superior à inflação (1988-1991 e 1996-2000) e outros períodos em que a inflação foi superior (1991-1996 e 2000 até à actualidade).
O gráfico seguinte apresenta a evolução do ìndice CI agora em termos reais, ou seja, descontando o efeito da inflação:
Agora sim, é possível “ler” melhor os períodos de valorização e de desvalorização referidos anteriormente. O que conseguimos ler deste gráfico é a existência de ciclos imobiliários, com fase de valorização e desvalorização do valor dos activos.
Passando ao ponto seguinte da nossa análise, vamos aproveitar esta informação para ver qual o efeito dos ciclos imobiliários nos nossos (bons) investimentos imobiliários.
a) O Sr. António comprou uma casa por 100.000€ em 1988, e vendeu-a em 2010 por 277.000€ e gabou-se aos amigos de ter feito o melhor negócio da vida dele. Um dos amigos dele, leitor assíduo do Out-of-the-box, fez umas pequenas contas e chegou à seguinte conclusão: talvez o António tenha feito o maior negócio da vida, com um ganho de 177.000€, mas a inflação no período comeu-lhe 160.000€, reduzindo a mais-valia real para apenas 17 mil €, o que correspondeu a uma valorização média anual real de apenas 0,3%. Esperemos que os restantes negócios do António tenham corrido melhor...
b) O Dr. Bernardo sempre se considerou um génio da alta finança, e quando em 1991 resolveu aplicar umas poupanças (100.000€) na compra de um apartamento para rendimento, não estava à espera da crise que aí vinha. Em 1996, farto de ver o mercado estagnado, vendeu-o por 113 mil €, e congratulou-se com o seu ganho de 13 mil €, sem se aperceber que a inflação no período lhe comeu 31 mil € nesse período!
c) Nessa mesma altura, o esperto do Carlos percebeu que estava na altura de entrar no imobiliário e toca de investir 100.000€ num apartamento que viria a vender em 2001, numa altura de pico de imobiliário gerando uma mais valia de 33 mil €. Descontando o efeito da inflação, o ganho real ficou-se nos 18 mil €, o que significou um ganho médio efectivo de 2,9% ao ano.
d) O Duarte e a Maria casaram-se em 2001 e como quem casa quer casa, resolveram fazer o maior investimento da vida deles e compraram uma casa por 100.000€. Passados 9 anos, e com a família a crescer, eles estão a pensar em mudar de casa, e foram avaliar a casa. Para surpresa deles, a casa hoje vale apenas 115 mil €, o que representa uma perda de 6 mil € devido ao efeito da inflação...
Estes são apenas alguns exemplos baseados na evolução do índice CI, que procura mostrar a evolução média do imobiliário em Portugal, como um todo. Não quer dizer que todos os imóveis se comportem desta forma, muito pelo contrário. Todos conhecemos situações de pessoas que realizaram mais-valias significativas (ou talvez não...) bem acima do que o índice mostra, e casos de pessoas com prejuízos efectivos na compra e venda de habitações.
Existem várias razões ou justificações para que o valor do activo acompanhe a evolução da inflação, no longo prazo. O imobiliário é um bem de primeira necessidade e escasso, os custos de construção dos imóveis também evoluem ao longo do tempo, os imóveis levam bastante tempo a depreciar-se (e a componente do terreno não se deprecia), etc. Mas, devido à lei da oferta e da procura, o imobiliário está igualmente sujeito a ciclos, como demonstrado pelo índice CI.
Nos exemplos anteriores nunca referi a outra componente de rendibilidade do imobiliário, a renda,que tem um impacto significativo na rendibilidade total, mas essa discussão fica para outro artigo.
Bons negócios Imobiliários!
ECS Capital
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Aqui há uns tempos o Gonçalo NR escreveu um post em que falava dos perigos da decisão de investimento baseada apenas na yield (para os que acabaram de chegar a este blog, a yield é o quociente entre o rendimento anual – as rendas totais de um imóvel – e o valor desse imóvel), sem ter em consideração o risco de perda de valor do imóvel, que gerava situações de negative equity (traduzindo, menos-valias!) e que gerou alguma discussão no blog. Aqui vai mais uma achega...
O investimento imobiliário tem duas componentes de valorização, a “renda” e o “retorno de capital”, ou seja, o rendimento anual gerado pelo arrendamento do imóvel (se estiver arrendado e enquanto o inquilino pagar a renda...) e a mais-valia potencial gerada pela evolução do valor de mercado do imóvel. À semelhança do investimento em acções, há um dividendo distribuído anualmente, mas a mais-valia só se concretiza com a venda do activo.
Vamos analisar neste artigo apenas a componente de valorização de capital.
Tradicionalmente, o investimento em imobiliário é considerado uma boa defesa contra a inflação, ou seja, o valor do imóvel tende a acompanhar a evolução do custo de vida. Isto vem em todos os livros da especialidade, mas convém ler as letras pequenas que acompanham estes chavões. Esta afirmação é verídica, tem evidência histórica, mas só é (garantidamente) válida para análises em períodos de médio a longo prazo.
A perda de valor dos imóveis pode ocorrer de duas formas:
- em cenários de desvalorização do mercado, com perda de valor nominal, como tem ocorrido nos últimos 3 anos em Portugal;
- em cenários de estagnação de mercado, em que os preços se mantêm nos mesmos valores, mas a inflação vai “comendo” valor ao imóvel – a chamada perda em valor real – o que aconteceu em Portugal entre 2001 e 2008;
Para exemplificar o que acabei de referir, apresento no gráfico seguinte a evolução do índice Confidencial Imobiliário (CI) para Portugal, desde 1988 até 2010, juntamente com um índice da evolução da inflação no mesmo período (obtidos respectivamente dos sites www.confidencialimobiliario.com e www.pordata.pt, vale a pena explorar!):
Como podem ver, desde 1988 até à actualidade, os dois índices têm evoluído com comportamento semelhante, algumas alturas com o imobiliário a valorizar a uma taxa superior à inflação (1988-1991 e 1996-2000) e outros períodos em que a inflação foi superior (1991-1996 e 2000 até à actualidade).
O gráfico seguinte apresenta a evolução do ìndice CI agora em termos reais, ou seja, descontando o efeito da inflação:
Agora sim, é possível “ler” melhor os períodos de valorização e de desvalorização referidos anteriormente. O que conseguimos ler deste gráfico é a existência de ciclos imobiliários, com fase de valorização e desvalorização do valor dos activos.
Passando ao ponto seguinte da nossa análise, vamos aproveitar esta informação para ver qual o efeito dos ciclos imobiliários nos nossos (bons) investimentos imobiliários.
a) O Sr. António comprou uma casa por 100.000€ em 1988, e vendeu-a em 2010 por 277.000€ e gabou-se aos amigos de ter feito o melhor negócio da vida dele. Um dos amigos dele, leitor assíduo do Out-of-the-box, fez umas pequenas contas e chegou à seguinte conclusão: talvez o António tenha feito o maior negócio da vida, com um ganho de 177.000€, mas a inflação no período comeu-lhe 160.000€, reduzindo a mais-valia real para apenas 17 mil €, o que correspondeu a uma valorização média anual real de apenas 0,3%. Esperemos que os restantes negócios do António tenham corrido melhor...
b) O Dr. Bernardo sempre se considerou um génio da alta finança, e quando em 1991 resolveu aplicar umas poupanças (100.000€) na compra de um apartamento para rendimento, não estava à espera da crise que aí vinha. Em 1996, farto de ver o mercado estagnado, vendeu-o por 113 mil €, e congratulou-se com o seu ganho de 13 mil €, sem se aperceber que a inflação no período lhe comeu 31 mil € nesse período!
c) Nessa mesma altura, o esperto do Carlos percebeu que estava na altura de entrar no imobiliário e toca de investir 100.000€ num apartamento que viria a vender em 2001, numa altura de pico de imobiliário gerando uma mais valia de 33 mil €. Descontando o efeito da inflação, o ganho real ficou-se nos 18 mil €, o que significou um ganho médio efectivo de 2,9% ao ano.
d) O Duarte e a Maria casaram-se em 2001 e como quem casa quer casa, resolveram fazer o maior investimento da vida deles e compraram uma casa por 100.000€. Passados 9 anos, e com a família a crescer, eles estão a pensar em mudar de casa, e foram avaliar a casa. Para surpresa deles, a casa hoje vale apenas 115 mil €, o que representa uma perda de 6 mil € devido ao efeito da inflação...
Estes são apenas alguns exemplos baseados na evolução do índice CI, que procura mostrar a evolução média do imobiliário em Portugal, como um todo. Não quer dizer que todos os imóveis se comportem desta forma, muito pelo contrário. Todos conhecemos situações de pessoas que realizaram mais-valias significativas (ou talvez não...) bem acima do que o índice mostra, e casos de pessoas com prejuízos efectivos na compra e venda de habitações.
Existem várias razões ou justificações para que o valor do activo acompanhe a evolução da inflação, no longo prazo. O imobiliário é um bem de primeira necessidade e escasso, os custos de construção dos imóveis também evoluem ao longo do tempo, os imóveis levam bastante tempo a depreciar-se (e a componente do terreno não se deprecia), etc. Mas, devido à lei da oferta e da procura, o imobiliário está igualmente sujeito a ciclos, como demonstrado pelo índice CI.
Nos exemplos anteriores nunca referi a outra componente de rendibilidade do imobiliário, a renda,que tem um impacto significativo na rendibilidade total, mas essa discussão fica para outro artigo.
Bons negócios Imobiliários!
2 comentários:
João,
Obrigado pelo artigo. Demonstra bem a importância do retorno do capital pelo chamado "Valor Residual". Em todos os trabalhos que já fiz de análise de investimentos imobiliários, o valor do imóvel no final da análise desempenha sempre um papel preponderante na rentabilidade do investimento.
Aquele 2º gráfico da CI mostra bem aquilo que procurei transmitir no meu artigo sobre as yields na habitação: quem entrou no mercado em 2000 a apostar somente em yield, deve estar a perder dinheiro.
À luz deste assunto, mas para o mercado de escritórios, tentei passar a mesma perspectiva no estudo de research que fiz com a B. Prime onde demonstramos que o mercado de escritórios desvalorizou 20% em 5 anos. Logo, quem apostou apenas em yield, está a ver a carteira a desvalorizar...
Abraço.
Caro João Fonseca
Excelente post.
Na sequência do anterior artigo publicado pelo Gonçalo, fico na expectativa da sua análise à evolução das rendas e ao seu impacto na rentabilidade total.
Este blog está definitivamente num caminho deveras interessante, para todos aqueles que profissionalmente acompanham e ponderam diariamente sobre o mercado imobiliário, devido à variedade e qualidade das intervenções.
Um abraço.
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