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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Desocupação de Imóveis para Obras de Remodelação ou Restauro Profundo

Por Francisco Silva Carvalho
PTSM - Advogados

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O caso dos arrendamentos habitacionais - A perversidade do sistema actual

O mercado aguarda com expectativa o descongelamento das rendas antigas, em particular nos arrendamentos comerciais, no âmbito da reforma do arrendamento urbano exigida pela “Troika”. Admitindo que nos casos das rendas habitacionais o descongelamento não seja imediato, pelo menos a possibilidade de terminar estes contratos de arrendamento em caso de obras de remodelação ou restauro tem de sê-lo, de forma a permitir que os operadores imobiliários possam, desde já, proceder à recuperação do parque imobiliário urbano. Esta intervenção, como vai sendo notório, constitui uma verdadeira urgência nacional, por três razões fundamentais:

i) salubridade e a segurança urbana - a existência de inúmeros prédios cujo estado de degradação ameaça a segurança dos ocupantes e de terceiros;
ii) a necessidade de aumentar a oferta de arrendamento habitacional nos centros urbanos; e
iii) a necessidade de criação de emprego e de fluxos económicos.

O actual enquadramento legal de 2006, da denúncia de arrendamentos em imóveis objecto de obras de remodelação ou restauro profundo não podia ser mais perverso. Perverso porque, criando a ilusão de que esta matéria se encontra (bem) regulada, permite que operadores imobiliários planeiem investimentos na recuperação de edifícios, para posteriormente - e demasiado tarde - se aperceberem que a lei não resolve o problema. E não resolve porque o custo, a demora, e a imprevisibilidade deste processo tornam inviáveis, à partida, projectos de investimento na requalificação de um imóvel.

Nas próximas linhas, passo a ilustrar, de forma resumida, os pontos principais do regime legal da denúncia dos contratos de arrendamento para efeitos de realização de obras de remodelação ou restauro profundo.

Suponhamos o caso de um proprietário que tem um projecto aprovado para a realização de obras de remodelação de um prédio, que se encontra em avançado estado de decadência, e onde residem actualmente dois arrendatários em dois apartamentos distintos (cada um dos quais, evidentemente, pagando uma renda irrisória). Existem vários aspectos que deverá conhecer, antes de elaborar o projecto, sob pena de ter de o alterar com os consequentes custos:

- Apenas poderá terminar (denunciar) os contratos de arrendamento se as obras pretendidas realizar forem estruturais (i.e., originem uma distribuição de fogos sem correspondência com a distribuição anterior);
- Os contratos de arrendamento existentes não podem ser terminados (mas sim suspensos, com o realojamento temporário assegurado pelo proprietário, a expensas deste) se no projecto se previr a existência, após a obra, de um local com as características equivalentes às do locado;
- Caso, efectivamente, o proprietário obtenha a aprovação de um projecto de obras estruturais que permita a denúncia dos contratos de arrendamento, terá então de reservar um local, a expensas suas, no mesmo concelho e com condições análogas às do local arrendado, onde realojar os inquilinos. Este é, porventura, o passo mais difícil e ruinoso, porque a lei obriga que o realojamento seja feito em condições análogas às que o inquilino já detinha.

Desde logo, e tendo em conta que o contrato de arrendamento dos inquilinos que se pretende realojar têm duração indeterminada (todos os habitacionais antigos têm duração indeterminada), será muito difícil ao proprietário encontrar, actualmente, no mercado, um local cujo proprietário aceite celebrar um contrato de arrendamento de duração indeterminada, e ainda por cima a favor de um terceiro, sem pedir, por isso, contrapartidas exorbitantes… ! Uma vez reservado o local (admitindo que o tenha conseguido fazer), o proprietário terá então de intentar uma acção contra os inquilinos, pois a denúncia tem de ser feita através de acção judicial. E, neste ponto, a complicação adensa-se, se possível.

Em primeiro lugar porque um processo judicial comum, com todas as vicissitudes que este comporta, pode levar muitos anos, e, durante esse período, o proprietário deverá estar a suportar os custos do local que tem reservado para o inquilino. Em segundo, porque o proprietário tem um prazo para levantar o alvará de construção e outro para a realização de obras. Prazos estes que poderão, eventualmente, ser mais curtos do que a duração do processo, que é imprevisível. E em terceiro e último lugar, porque a própria lei prevê um factor de confusão adicional, que apenas poderá atrasar o processo: determina que a sentença deve fixar a renda que os inquilinos realojados devem pagar pelo novo alojamento, a qual deverá ser determinada nos termos da actualização de rendas prevista no NRAU para os arrendamentos antigos.

Já falámos, em sede própria, das iniquidades do sistema de actualização de rendas no NRAU. Mas tudo piora quando a lei manda aplicá-la a uma renda – aquela que o proprietário contratou com um terceiro – que nada tem a ver com as rendas actualizáveis nos termos do NRAU. O proprietário acordou com o senhor X uma determinada renda mensal, num contrato de arrendamento celebrado a favor de um terceiro. Essa renda foi determinada actualmente, a valores de mercado. O que a lei assim obriga é que, durante o processo, o novo prédio onde o proprietário pretende realojar os inquilinos (e que nada tem a ver com o processo) deve ser avaliado à luz das regras do IMI, de forma a determinar o seu valor patrimonial e a renda anual que lhe caberia com as limitações do NRAU (i.e., 4% do valor patrimonial). Isto significa, na melhor das hipóteses, uma morosidade acrescida do processo, porque vai ser necessário estabelecer o valor patrimonial de um prédio de um terceiro que não é parte no processo e que pode não ter interesse em colaborar com o tribunal no apuramento do valor patrimonial do seu prédio, sendo a renda que o inquilino vai pagar determinada com base neste cálculo. Na pior das hipóteses, este ponto pode significar a própria paragem do processo.

Assim, independentemente da renda real que o proprietário acorde com o dono do prédio para onde pretende realojar o inquilino, este último apenas irá pagar, no fim do prazo de actualização de rendas do NRAU (que pode chegar a 10 anos, bastando que o inquilino tenha mais que 65 anos, sendo que o máximo de actualização durante este período é de €50 por ano!), uma renda anual no valor de 4% do valor patrimonial que for atribuído ao imóvel.

Creio que a mera descrição deste regime dispensa quaisquer comentários adicionais.

Uma reflexão final: às vezes o bem vem por mal. Os proprietários têm de estar contentes pela iminente falência do país, que forçou a celebração do compromisso com a “Troika”, obrigando o legislador a regularizar, de uma vez por todas, aquilo que nunca antes teve coragem para regularizar.

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