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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Troca de casa resolve incumprimento?

Foi notícia a semana passada que a Caixa Geral de Depósitos iria lançar um programa de troca de casas para evitar o incumprimento do crédito habitação de famílias Portuguesas em dificuldades. Das notícias que li e da reportagem feita na RTP, aquilo que consegui entender sobre os objectivos do Banco, é o seguinte:

- Manter as famílias na habitação, preservar a habitação das pessoas;
- Reduzir o valor a pagar pelas famílias, baixando a renda mensal.

Reportagem a partir do minuto 1:05

No fundo, estamos a falar do seguinte: uma família que esteja com dificuldades em fazer face às prestações do seu crédito habitação, pode optar por vender a sua casa a um FIIAH (Fundo de Investimento Imobiliário de Arrendamento Habitacional) gerido pela Fundimo (Sociedade Gestora de Fundos do universo CGD), optando por arrendar uma outra, propriedade desse mesmo FIIAH, cuja renda seja inferior ao valor da prestação que inicialmente essa família pagava pela sua casa.

Antes de mais, permitam-me dizer que esta proposta não permite manter as famílias nas suas habitações porque elas estão a ser convidadas a mudar de casa! Portanto, parece-me que o primeiro objectivo da CGD não será integralmente cumprido.

Para além disso, confesso que tenho imensas dúvidas e questões sobre esta proposta, que passo a enunciar:

- Se essa família vende a casa, sujeita-se a ter mais-valias na venda, em sede de IRS. Apenas existe isenção de mais-valias caso ocorra uma conversão da propriedade do imóvel num arrendamento do mesmo. Mesmo que isso ocorra, o futuro arrendatário deverá manter o seu arrendamento até final de 2020 ou exercer uma opção de recompra, caso contrário pagará mais-valias nessa altura;

- Pareceu-me ficar claro claro que existindo algum diferencial entre a dívida actual e o valor da venda, esse diferencial será utilizado para amortização da dívida (parece-me bem). Logo, não haverá nunca cash-flow líquido para o mutuário, pelo que ele não irá ter dinheiro para pagar eventuais mais-valias fiscais;

- Essa transacção está sujeita a I.S. - Imposto de Selo - (0,8% sobre o valor escriturado), a ser pago pelo adquirente. O FIIAH vai investir 0,8% de umas quantas centenas de milhar de euros??? É que só existe isenção de I.S. caso a venda da casa seja feita por um mutuário que converta o seu direito de propriedade num direito de arrendamento sobre o mesmo imóvel, não sobre outro imóvel do mesmo Fundo;

Em alternativa, pode uma pessoa vender a sua casa ao Fundo e comprar uma outra, mais barata, detida pelo mesmo Fundo. Também nesta opção, tenho dúvidas:

- Se os diferenciais de valor, a ocorrer, servirão para amortizar dívida, com que dinheiro pagará o mutuário os custos de registo e notário decorrentes da transacção? E o IMT? E o I.S.?
- E os imóveis em questão? São comparáveis em termos de localização? De potencial de valorização futura? Liquidez do mercado?

Na reportagem da RTP é dado um exemplo, uma comparação. Compara-se um crédito de € 150 mil com prestação de € 536 com um de € 100 mil e uma prestação de € 276. Fiz uma pequena simulação, no pressuposto de um crédito a 40 anos com uma taxa de juro de 3%. Se no primeiro caso, a prestação está aproximadamente correcta, as mesmas condições para o segundo caso resultam numa prestação de € 360. Há aqui um diferencial de € 84 /mês!

Apliquemos outro raciocínio. Pressupondo que todos estes valores estão correctos e que um mutuário consegue mesmo, através de uma qualquer mágica, baixar a sua prestação mensal de € 536 para € 276, qual a sua efectiva poupança? Para o mesmo crédito a 40 anos a 3% de taxa de juro, a sua poupança actual é de € 72.118. Mas e se os valores não estiverem correctos? E se os valores correctos forem aqueles que apontei? Nesse caso a poupança actual será de ... € 50 mil! E não podia ser de outra forma! A diminuição da minha exposição financeira hoje tem de ser igual ao valor actual da minha poupança futura! Finança elementar... se eu poupo mais no futuro do que aquilo que poupo hoje (que é o caso que nos querem vender), então alguém ficou a perder. O Banco? O Fundo? Não me parece...

É bom fazer-se bem as contas e saber-se com o que se conta. Não entendo como é que se consegue esta relação entre estas dívidas e respectivas prestações, mantendo-se as condições do empréstimo.

Surgem-me ainda preocupações adicionais:

- Quem avalia as casas ou quem as manda avaliar? A CGD? O Fundo? E como e em que data vale essa avaliação? Ao dia de hoje, para ambas? Vejam bem onde reside a minha preocupação principal: a casa que já é do Fundo e que o mutuário seja convidado a comprar, tem um valor de avaliação histórico (à data da venda a esse mesmo Fundo), sendo muito possível que esteja sobre-avaliada à data de hoje. Mas a casa que o mesmo mutuário irá vender ao Fundo terá de ser avaliada no momento da transacção;

- Por outro lado, o adquirente é ao mesmo tempo vendedor (leia-se, o Fundo), com naturais objectivos de rentabilidade. Logo, compreende-se que vá querer comprar bem e vender bem, leia-se, comprar abaixo do valor de mercado e vender com uma boa rentabilidade (acima do valor pelo qual a comprou). Logo, pode haver aqui uma enorme discrepância de valores, havendo certamente um desnivelamento de poder negocial, podendo inclusive haver algum enriquecimento ilícito do Fundo;

- Adicionalmente, é fundamental que as anteriores condições do crédito, que estavam em vigor antes da venda, se mantenham para um novo crédito. Não deverá, em caso algum, haver alterações que prejudiquem o mutuário. Aliás, arriscar-me-ia a dizer que havendo alterações, deveriam sempre ser no sentido da redução do spread, já que o mutuário irá reduzir, à partida, a sua exposição financeira ao Banco e o LTV (loan-to-value) do empréstimo;

- E para que tipo de famílias/empréstimos se aplica esta proposta? E quem tiver negative equity?

Vejo a CGD, no que ao imobiliário diz respeito, como um banco que normalmente está sempre à frente. No entanto, neste caso, parece-me que a proposta que faz a Portugal e aos Portugueses é algo confusa, complicada, quando julgo que deveríamos estar a pensar em, definitivamente, desligar o "complicómetro" em Portugal. Sobretudo, acho que a proposta não vai ter o impacto que necessitamos para ajudar a resolver o problema do incumprimento em Portugal. E, neste momento, aquilo que precisamos em Portugal é de soluções ágeis, simples mas sobretudo com a abrangência suficiente para causar impacto. Esta proposta não me parece que consiga nada disso.

Bons negócios (imobiliários)!

2 comentários:

Pedro Pereira Nunes disse...

Todas as tuas dúvidas são pertinentes e demonstram bem que o que poderá parecer atractivo para muita gente, à primeira vista, talvez não o seja...

Deixo ainda uma outra dúvida:
Admitindo que todas as dúvidas do Gonçalo ficam resolvidas (sem prejuízo das famílias), será que a amostra de casas seria suficiente para motivar as pessoas a mudar? Ou seriam/serão somente as pessoas que estão já em default (pré-default) e não terão grande escolha?

Tenho para mim que o problema iminente é, sem dúvida, os 2,4% de incumprimento (em Dez/2011), mas no médio prazo, já ao virar da esquina, o que importa mesmo é a classe média (em declínio acelerado).
Passe a expressão: precisamos de mercado a funcionar, não de cócegas nalgumas franjas...

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

Pedro,

Acho que tocaste no "ponto". O FIIAH deve ter aí umas 1.000 casas, logo por aí vemos como esse "mercado" é reduzido. Depois, há que esperar que essas casas sirvam os alvos.

Por isso me pareceu que esta medida não teria grande impacto.

É como dizes, dá para umas cociguinhas...