Deixo-vos cópia integral do artigo que escrevi em final de Maio, agora publicado nesta última edição da Revista Imobiliária.
---
«A Troika tem € 12 mil milhões destinados a recapitalizar a Banca em Portugal. (…) porque não usar parte desse dinheiro para adquirir estas hipotecas?»
Muito se tem falado ultimamente do elevado número de casas que são entregues aos bancos todos os dias. Há algumas semanas, um jornal noticiava que a Banca tinha € 3,5 mil milhões em casas para vender. Adicionalmente, juntou-se a “polémica” da decisão de um Tribunal em Portalegre, ao deliberar em favor do mutuário. Mais desinformação ao público do que polémica, a meu ver...
Os partidos políticos com assento parlamentar têm-se desdobrado em propostas que visam assistir famílias com dificuldades financeiras e que não conseguem fazer face ao pagamento das suas prestações de crédito habitação.
A Caixa Geral de Depósitos vem propor a troca de casa como solução ao endividamento das famílias portuguesas.
Noutras áreas do sector imobiliário, como por exemplo nos sectores da construção e turismo, temos visto algumas entidades já em funcionamento a montar fundos de recuperação de créditos de empresas a operar nesses sectores. Casos da Vallis, da ECS, entre outros, são exemplo disso. Na prática, são sociedades de private equity que montam fundos que visam gerir os créditos mal-parados da Banca, que lhes cede essa gestão com o objectivo de serem recuperados, reestruturados e rentabilizados.
São muitas, de facto, as propostas apresentadas nas últimas semanas para um problema que ameaça continuar a aumentar. Resta saber que soluções acabarão por ser implementadas e que tenham impacto na sociedade e na vida dos Portugueses.
O crédito mal-parado em Portugal
Em Portugal, dados de Março de 2012 do Banco de Portugal, apontavam para um total de mal-parado no crédito habitação de 2.190 milhões de euros. Pode parecer muito, é com certeza. Aliás, basta haver uma pessoa em dificuldades que já deve ser uma preocupação de todos, disso não haja a menor dúvida! Mas temos de relativizar um pouco os números. Este valor de crédito mal-parado representa apenas 1,9% do total concedido em Portugal. Comparativamente com outros países europeus, estamos bem atrás de Espanha, Itália ou Polónia, dando alguns exemplos. França, por exemplo, tinha em finais de 2010 uma percentagem de 1,28% de mal-parado. Mais ainda, representa apenas 1/3 no total de crédito mal-parado em actividades relacionadas com imobiliário – crédito habitação, construção e actividades imobiliárias. Portanto, parece-me que estes números não são astronómicos, bem pelo contrário.
A evolução do mal-parado, isso sim, tem sido significativa. Desde Janeiro de 2009, subiu já quase 600 milhões de euros, o equivalente a 36%. Parece-me um aumento considerável. De qualquer forma, os números não me parecem ser assustadores. Assustadores, isso sim, são os números do desemprego e do PIB, com natural consequência no crédito mal-parado.
Fonte: Banco de Portugal
Que solução implementar?
Perante estes números e a expectativa de continuação de descida do PIB e aumento do desemprego – os números mais recentes da OCDE são preocupantes - há que tomar medidas. É nestes momentos que devemos ser enérgicos! Por isso mesmo me parece haver uma medida importante que o nosso Governo deveria tomar: a constituição de um mega Fundo Imobiliário. Como? Porquê?
A preocupação fundamental de qualquer Governo deverá ser sempre para com as pessoas em dificuldades. Se não se governa para as pessoas, então governa-se para quem? Em Portugal, se temos muitas pessoas com dificuldades em pagar o seu crédito habitação, pois então devemos pensar em políticas que as ajudem.
As recentes propostas do PSD vão um pouco nesse sentido e desde já louvo a abrangência das mesmas. No entanto, fico com a ideia que apresentam, à partida, muitos ses, muitas condicionantes, inclusões e exclusões... como na maior parte das vezes, não simplificam! Para além de haver alguns pontos com os quais discordo em absoluto, como é o caso do auxílio concedido a mutuários de crédito habitação em caso de divórcio.
No entanto, aquilo que me parece importante é que essas pessoas não fiquem sem casa e os Bancos não fiquem com um crédito mal-parado ou um activo que não querem ter. Vejam bem, a entrega da casa ao Banco é, maioria das vezes, mau para ambas as partes. É mau para o Banco porque não quer ter casas em carteira; é mau para o mutuário porque não quer perder a sua casa nem deixar de viver nela.
A Troika tem € 12 mil milhões destinados a recapitalizar a Banca em Portugal. O montante em crédito habitação mal-parado representa "apenas" 1/6 desse valor. E muito provavelmente, nem todas estas pessoas necessitarão de ajuda imediata. Em vez do Estado usar esse dinheiro para entrar no capital da Banca ou emprestá-lo através de coco's (convertible bonds), porque não usar parte desse dinheiro para adquirir estas hipotecas? O Estado poderia ficar dono destas hipotecas e renegociá-las com os mutuários de forma a que estes tivessem condições de as pagar e não perdessem as suas casas. Esta deve ser a preocupação fundamental do Governo e não tanto o injectar dinheiro na Banca.
Desta forma, o Governo conseguiria "controlar" ou prevenir 3 aspectos fundamentais que assolam o mercado imobiliário hoje em dia:
1) O default de famílias, com consequente perda de casa;
2) O aumento do mal-parado nos Bancos, e estes ficarem com casas que não querem e terão de vender, muitas vezes a desconto, para terem a necessária liquidez;
3) A descida dos preços na habitação. Uma das causas da descida que temos verificado nos últimos anos deve-se, também, a este mercado. Os Bancos normalmente levam as casas que recebem a leilão, onde muitas vezes o preço arrematado é inferior ao "valor de mercado". Não havendo necessidade de vender rapidamente as casas, controla-se mais a descida dos preços.
Naturalmente que o Estado nunca foi muito bom gestor. Há sempre a possibilidade, à luz do que a própria Banca tem feito, de subcontratar a gestão deste fundo.
Depois de reestruturada toda esta dívida, quem sabe daqui a uns anos, este Fundo não terá um valor de mercado interessante e seja apelativo a investidores institucionais? Nessa altura, esperamos nós, o nosso mercado e a nossa economia estarão a crescer (bastante!), as famílias terão maior poder de compra, os investimentos sejam mais apelativos. Este será, com certeza, um deles! Ganham hoje as famílias, no futuro ganhará Portugal!
Alguns case-studies
Uma solução deste tipo, devo dizer-vos, tem pouco de inovador… se pensarmos bem, uma solução análoga a esta tem vindo a ser implementada no mercado norte-americano, desde que rebentou a crise do subprime em 2007.
Com o valor das casas a cair repentinamente e muitos empréstimos a entrarem em default, o Governo norte- americano encetou algumas políticas que permitiram “estancar a sangria”:
- Desde logo, nacionalizou as 2 maiores agências hipotecárias, a Fannie Mae e a Freddie Mac;
- A FED aceitou como um bom colateral, qualquer hipoteca, permitindo assim continuar a financiar a banca norte-americana que tivesse produtos financeiros indexados a hipotecas problemáticas, bem como estas 2 agências;
- Adicionalmente, com medidas de quantitative easing, permitiu que houvesse sempre dinheiro para injectar nos mercado.
Se os Estados Unidos, ex-libris da liberalização financeira, praticamente que nacionaliza o sector da habitação, porque não podemos nós também fazer o mesmo?
Outras soluções foram implementadas noutros Países. No caso recente da Islândia, foram encetadas políticas case-by-case que visavam ajudar famílias em dificuldade, políticas essas em linha com as recentes propostas do PSD. Renegociação de prazos, carências, subsídios aos juros, são alguns aspectos das políticas desenvolvidas desde há 3 anos nesse País.
Termino, citando um relatório internacional: «(...) bold and well-designed household debt restructuring programs, such as those implemented in the United States in the 1930s and in Iceland today, can significantly reduce the number of household defaults and foreclosures. In so doing, these programs help prevent self-reinforcing cycles of declining house prices and lower aggregate demand.» In World Economic Outlook, page 89, IMF.
Mais à frente, o mesmo relatório refere que quando a dívida das famílias se torna um verdadeiro problema para o sector bancário, os Governos devem intervir. Essa intervenção pode passar pela compra de distressed assets - «A number of policies can prevent such a tightening in credit availability, including recapitalizations and government purchases of distressed assets.» In World Economic Outlook, page 101, IMF.
É o próprio FMI quem o diz...
Bons negócios (imobiliários)!
Os partidos políticos com assento parlamentar têm-se desdobrado em propostas que visam assistir famílias com dificuldades financeiras e que não conseguem fazer face ao pagamento das suas prestações de crédito habitação.
A Caixa Geral de Depósitos vem propor a troca de casa como solução ao endividamento das famílias portuguesas.
Noutras áreas do sector imobiliário, como por exemplo nos sectores da construção e turismo, temos visto algumas entidades já em funcionamento a montar fundos de recuperação de créditos de empresas a operar nesses sectores. Casos da Vallis, da ECS, entre outros, são exemplo disso. Na prática, são sociedades de private equity que montam fundos que visam gerir os créditos mal-parados da Banca, que lhes cede essa gestão com o objectivo de serem recuperados, reestruturados e rentabilizados.
São muitas, de facto, as propostas apresentadas nas últimas semanas para um problema que ameaça continuar a aumentar. Resta saber que soluções acabarão por ser implementadas e que tenham impacto na sociedade e na vida dos Portugueses.
O crédito mal-parado em Portugal
Em Portugal, dados de Março de 2012 do Banco de Portugal, apontavam para um total de mal-parado no crédito habitação de 2.190 milhões de euros. Pode parecer muito, é com certeza. Aliás, basta haver uma pessoa em dificuldades que já deve ser uma preocupação de todos, disso não haja a menor dúvida! Mas temos de relativizar um pouco os números. Este valor de crédito mal-parado representa apenas 1,9% do total concedido em Portugal. Comparativamente com outros países europeus, estamos bem atrás de Espanha, Itália ou Polónia, dando alguns exemplos. França, por exemplo, tinha em finais de 2010 uma percentagem de 1,28% de mal-parado. Mais ainda, representa apenas 1/3 no total de crédito mal-parado em actividades relacionadas com imobiliário – crédito habitação, construção e actividades imobiliárias. Portanto, parece-me que estes números não são astronómicos, bem pelo contrário.
A evolução do mal-parado, isso sim, tem sido significativa. Desde Janeiro de 2009, subiu já quase 600 milhões de euros, o equivalente a 36%. Parece-me um aumento considerável. De qualquer forma, os números não me parecem ser assustadores. Assustadores, isso sim, são os números do desemprego e do PIB, com natural consequência no crédito mal-parado.
Fonte: Banco de Portugal
Que solução implementar?
Perante estes números e a expectativa de continuação de descida do PIB e aumento do desemprego – os números mais recentes da OCDE são preocupantes - há que tomar medidas. É nestes momentos que devemos ser enérgicos! Por isso mesmo me parece haver uma medida importante que o nosso Governo deveria tomar: a constituição de um mega Fundo Imobiliário. Como? Porquê?
A preocupação fundamental de qualquer Governo deverá ser sempre para com as pessoas em dificuldades. Se não se governa para as pessoas, então governa-se para quem? Em Portugal, se temos muitas pessoas com dificuldades em pagar o seu crédito habitação, pois então devemos pensar em políticas que as ajudem.
As recentes propostas do PSD vão um pouco nesse sentido e desde já louvo a abrangência das mesmas. No entanto, fico com a ideia que apresentam, à partida, muitos ses, muitas condicionantes, inclusões e exclusões... como na maior parte das vezes, não simplificam! Para além de haver alguns pontos com os quais discordo em absoluto, como é o caso do auxílio concedido a mutuários de crédito habitação em caso de divórcio.
No entanto, aquilo que me parece importante é que essas pessoas não fiquem sem casa e os Bancos não fiquem com um crédito mal-parado ou um activo que não querem ter. Vejam bem, a entrega da casa ao Banco é, maioria das vezes, mau para ambas as partes. É mau para o Banco porque não quer ter casas em carteira; é mau para o mutuário porque não quer perder a sua casa nem deixar de viver nela.
A Troika tem € 12 mil milhões destinados a recapitalizar a Banca em Portugal. O montante em crédito habitação mal-parado representa "apenas" 1/6 desse valor. E muito provavelmente, nem todas estas pessoas necessitarão de ajuda imediata. Em vez do Estado usar esse dinheiro para entrar no capital da Banca ou emprestá-lo através de coco's (convertible bonds), porque não usar parte desse dinheiro para adquirir estas hipotecas? O Estado poderia ficar dono destas hipotecas e renegociá-las com os mutuários de forma a que estes tivessem condições de as pagar e não perdessem as suas casas. Esta deve ser a preocupação fundamental do Governo e não tanto o injectar dinheiro na Banca.
Desta forma, o Governo conseguiria "controlar" ou prevenir 3 aspectos fundamentais que assolam o mercado imobiliário hoje em dia:
1) O default de famílias, com consequente perda de casa;
2) O aumento do mal-parado nos Bancos, e estes ficarem com casas que não querem e terão de vender, muitas vezes a desconto, para terem a necessária liquidez;
3) A descida dos preços na habitação. Uma das causas da descida que temos verificado nos últimos anos deve-se, também, a este mercado. Os Bancos normalmente levam as casas que recebem a leilão, onde muitas vezes o preço arrematado é inferior ao "valor de mercado". Não havendo necessidade de vender rapidamente as casas, controla-se mais a descida dos preços.
Naturalmente que o Estado nunca foi muito bom gestor. Há sempre a possibilidade, à luz do que a própria Banca tem feito, de subcontratar a gestão deste fundo.
Depois de reestruturada toda esta dívida, quem sabe daqui a uns anos, este Fundo não terá um valor de mercado interessante e seja apelativo a investidores institucionais? Nessa altura, esperamos nós, o nosso mercado e a nossa economia estarão a crescer (bastante!), as famílias terão maior poder de compra, os investimentos sejam mais apelativos. Este será, com certeza, um deles! Ganham hoje as famílias, no futuro ganhará Portugal!
Alguns case-studies
Uma solução deste tipo, devo dizer-vos, tem pouco de inovador… se pensarmos bem, uma solução análoga a esta tem vindo a ser implementada no mercado norte-americano, desde que rebentou a crise do subprime em 2007.
Com o valor das casas a cair repentinamente e muitos empréstimos a entrarem em default, o Governo norte- americano encetou algumas políticas que permitiram “estancar a sangria”:
- Desde logo, nacionalizou as 2 maiores agências hipotecárias, a Fannie Mae e a Freddie Mac;
- A FED aceitou como um bom colateral, qualquer hipoteca, permitindo assim continuar a financiar a banca norte-americana que tivesse produtos financeiros indexados a hipotecas problemáticas, bem como estas 2 agências;
- Adicionalmente, com medidas de quantitative easing, permitiu que houvesse sempre dinheiro para injectar nos mercado.
Se os Estados Unidos, ex-libris da liberalização financeira, praticamente que nacionaliza o sector da habitação, porque não podemos nós também fazer o mesmo?
Outras soluções foram implementadas noutros Países. No caso recente da Islândia, foram encetadas políticas case-by-case que visavam ajudar famílias em dificuldade, políticas essas em linha com as recentes propostas do PSD. Renegociação de prazos, carências, subsídios aos juros, são alguns aspectos das políticas desenvolvidas desde há 3 anos nesse País.
Termino, citando um relatório internacional: «(...) bold and well-designed household debt restructuring programs, such as those implemented in the United States in the 1930s and in Iceland today, can significantly reduce the number of household defaults and foreclosures. In so doing, these programs help prevent self-reinforcing cycles of declining house prices and lower aggregate demand.» In World Economic Outlook, page 89, IMF.
Mais à frente, o mesmo relatório refere que quando a dívida das famílias se torna um verdadeiro problema para o sector bancário, os Governos devem intervir. Essa intervenção pode passar pela compra de distressed assets - «A number of policies can prevent such a tightening in credit availability, including recapitalizations and government purchases of distressed assets.» In World Economic Outlook, page 101, IMF.
É o próprio FMI quem o diz...
Bons negócios (imobiliários)!
Sem comentários:
Enviar um comentário