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terça-feira, 7 de maio de 2013

De Passivo a Ativo - O Papel do Investimento Imobiliário na Qualidade Urbana

Por Bruno Lobo
Administrador, Avenida Capital
PhD, Columbia University in the City of New York., M.Arch Technical University of Lisbon




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Desde o início dos anos 80 que investidores institucionais como fundos de pensões, fundações e outras instituições financeiras públicas e privadas investem em ativos imobiliários. De acordo com a Kinsgley Associates, o imobiliário representa atualmente 8,42% dos portfólios institucionais de investimento. Combinado com outras classes de ativos (ações, obrigações, fundo de capital de risco, etc.) e subdividido por geografia, uso, e posição na estrutura de capital, o investimento em imobiliário permite aos investidores institucionais diversificar as suas carteiras de ativos aumentado a proteção contra a inflação, redução na volatilidade, rendimento anual e apreciação de capital.

As vantagens do investimento em imobiliário têm originado um aumento progressivo do volume de investimento. De acordo com a ‘Prudential Real Estate Investors’, só na última década o investimento institucional em imobiliário quase duplicou a nível mundial, passando de 13.8 biliões de dólares em 2001 para cerca de 26.6 biliões em 2011, incluindo 9.4 biliões na Europa, 7.5 biliões no América do Norte, 7.2 biliões da Ásia e 1.8 biliões na América Latina. Estimativas para as próximas duas décadas indicam um crescimento ainda mais significativo liderado pelos Estados Unidos e China para cerca de 92 biliões em 2031.

Entendido como ativo financeiro, o imobiliário é avaliado e transacionado relativamente a outros ativos financeiros com base em métricas e critérios de investimento que calculam rentabilidades esperadas assim como riscos financeiros, políticos e macroeconómicos subjacentes. Associações como o ‘National Council of Real Estate Investment Fiduciaries’ (NCREIF) nos Estados Unidos, ou a ‘Institutional Real Estate, Inc.’ (IREI) na Europa publicam anualmente índices que estimam rentabilidades totais estimadas para o imobiliário assim como comparações com outras classes de ativos e taxas de juro. Outras organizações como o ’Urban Land Institute’ e a ‘PriceWaterhouseCoopers’ publicam anualmente estimativas por região e tipo de ativo focadas em projeções macroeconómicas e nos mercados de capitais que refletem o comportamento da indústria e respetivas estratégias de investimento dos gestores de portfólios.

A institucionalização do imobiliário tem originado a sua integração progressiva nos mercados de capitais e subjacente lógica económica e regional. Esta integração tem beneficiado os investidores e também a própria indústria ao providenciar liquidez acrescida e possibilidades de consolidação e profissionalização das operações de gestão e investimento. No entanto esta integração pode originar uma dissociação das caraterísticas intrinsecamente locais dos imóveis e sobreposição ao seu carácter urbano e respetivo impacto económico e social.

Avaliado primordialmente como ativo financeiro com rentabilidades esperadas e riscos ‘macro’, o investimento em imobiliário pode ter tendência a focar-se em mercados ‘prime’ e em estratégias com impacto urbano limitado. Atualmente os mercados alemão e suíço são considerados pelos gestores de portfólios como tendo as ‘perspetivas’ de investimento mais positivas na Europa. O foque para 2013 são as cidades principais (Munique, Berlim, Zurique) com os rendimentos mais altos e melhor nível de infraestrutura urbana em detrimento de cidades secundárias e outros mercados periféricos com maior necessidade de infraestrutura e investimento. Particularmente em períodos de recessão a importância dos mercados ‘prime’ aumenta funcionando como ‘safe-havens’ para investidores à procura de ativos de ‘menor risco’ e maior ‘resiliência’ à volatilidade dos mercados. É sintomático que dos cerca de 92 mil milhões de euros em transações imobiliárias realizadas na Europa nos primeiros três trimestres de 2012, cerca de 20 mil milhões tenham sido realizados em Londres e 8 mil milhões em Paris. Este investimento contribui maioritariamente para aumentar o valor de imóveis existentes nas zonas da cidade com rendimentos mais altos em detrimento de outras zonas da cidade com maior necessidade de renovação urbana e infraestrutura.

Se em mercados desenvolvidos o investimento imobiliário institucional afeta primordialmente o valor de imóveis existentes e tem impacto limitado na infraestrutura e forma urbana, em mercados emergentes o impacto é necessariamente maior. Na maioria dos casos a anterior instabilidade política e económica não permitiu o investimento em infraestrutura e renovação do parque habitacional e comercial existente. São tipicamente cidades com altos níveis de desigualdade e exclusão social, com centros históricos degradados e inseguros, mobilidade problemática e deficit de infraestrutura urbana e equipamentos públicos. A ausência de imóveis de rendimento com qualidade para aquisição e fragmentação das operações imobiliárias existentes implica que as principais estratégias de investimento disponíveis sejam o financiamento de novas construções e renovação de estruturas existentes, tipicamente em parceria com promotores e operadores locais.

O investimento institucional em ativos imobiliários é possibilitado pela recente estabilidade e melhoria de perspetivas futuras e simultaneamente possibilita a edificação dos primeiros imóveis comerciais e habitacionais de qualidade - que em muitos casos representa a primeira habitação formal dos novos residentes. Este investimento, para além das rentabilidades apreciáveis que pode proporcionar aos investidores institucionais, pode potencialmente ter um impacto significativo na qualidade e competitividade urbana. No entanto, na ausência de políticas urbanas integradas e papel ativo por partes dos investidores, o investimento institucional pode ser alocado ineficientemente do ponto de vista das necessidades dos centros urbanos, focando-se nas cidades principais e bairros de rendimentos mais alto, em detrimento da renovação urbana de zonas consolidadas e reabilitação de centros históricos, acentuando as desigualdades e exclusão existentes.

No Brasil, só agora as cidades secundárias e centros históricos de São Paulo e do Rio de Janeiro começam a ser alvo de investimento sistemático após os bairros de ‘Ipanema’, ‘Leblon’ e ‘Jardins’ atingirem valorizações excessivas e as periferias terem sido urbanizadas até a exaustão com a repetição de tipologias residenciais em condomínios privados e centros comerciais impossibilitando a vivência urbana. Enquanto o Sul de Mumbai e o centro financeiro de Shangai continuam a bater recordes de transações imobiliárias, (ambas as cidades lideram atualmente o ranking de ‘bolhas imobiliárias’), as suas periferias assim como cidades interiores não conseguem atrair o investimento necessário para a renovação urbana e melhoramento do nível de infraestruturas públicas.

A mesma lógica continua a ser aplicada aos novos mercados emergentes como Istambul, Lima ou Bogotá. Na capital Colombiana, o investimento imobiliário tende a focar-se na zona Norte da cidade que atinge já preços comparáveis às principais capitais Europeias, onde os ‘estratos’ mais altos se isolam e evitam as dificuldades criadas pelo trânsito e falta de infraestrutura urbana. O centro da cidade em volta da ‘La Candelaria’ e bairros históricos circundantes como ‘Santa Fé’ e ‘Teusaquillo’ continuam esquecidos por serem considerados demasiado inseguros, apesar de possuírem estruturas urbanas consolidadas e património cultural considerável. Enquanto Bogotá e Cartagena são já considerados mercados com ‘bolhas’ imobiliárias, poucos investidores arriscam ainda a olhar para cidades secundárias e terciárias com potencial de crescimento superior e maiores necessidades de infraestrutura e renovação urbanas como Barranquilla ou Cali.

A dificuldade do investimento imobiliário institucional em seguir políticas urbanas integradas está relacionada com vários fatores que podem ser mudados. Existe uma falta de coordenação entre as entidades públicas locais e investidores que possibilite que o investimento seja alocado para as zonas das cidades onde mais é necessário. Os planos de ordenamento não incorporam os ciclos económicos dos mercados imobiliários locais, as normas urbanísticas são demasiado passivas e os investidores procuram limitar os riscos e incertezas provenientes dos regulamentos e licenciamentos locais.

Por outro lado a estrutura financeira e legal que permite investir as poupanças localizadas em regiões do mundo com retornos baixos em mercado emergentes onde podem obter retornos mais altos é excessivamente fragmentada e com demasiados intermediários com valor acrescentado questionável. O investidor está removido da perspetiva local do imobiliário e com poucas possibilidades de participar no processo de urbanização nas suas fases iniciais. Nestas circunstâncias, a atividade do investimento imobiliário limita-se à escolha entre projetos em que o acesso ao negócio e gestão financeira são os fatores diferenciadores. A possibilidade de participar ativamente na criação dos ‘produtos’, estratégias urbanísticas e desenho urbano é praticamente inexistente.

Por último a formação dos profissionais envolvidos na atividade imobiliária é demasiado fragmentada. Os profissionais de investimentos imobiliários têm uma formação quase exclusivamente financeira e de gestão corporativa que exclui a possibilidade de contribuir para a definição dos projetos arquitetónicos e planos territoriais e urbanos. Por outro lado falta aos quadros municipais e responsáveis técnicos pelos planos e projetos a formação financeira que permita integrar a análise da viabilidade na sua execução. A sua atividade profissional é desta forma limitada e subjugada à dimensão económica dos investimentos.

Todos estes fatores podem e devem ser mudados. É errado pensar que é necessário optar entre rentabilidade e impacto urbano e social positivo. O investidor imobiliário pode ter um papel fundamental na alocação de capital para estratégias urbanas integradas e criação de projetos com qualidade que gerem as rentabilidades desejadas e simultaneamente contribuam para a melhoria da qualidade dos centros urbanos onde são realizados. Aos 93 biliões de dólares que se estimam serem investidos em ativos imobiliário por investidores imobiliários até 2031, corresponderão milhões de metros quadrados de imóveis que terão um impacto significativo na qualidade de vida e competitividade das cidades. É fundamental que para além de optarem pela cidade como investimento, sejam também um investimento na cidade.

1 comentário:

Unknown disse...

«Os planos de ordenamento não incorporam os ciclos económicos dos mercados imobiliários locais, as normas urbanísticas são demasiado passivas e os investidores procuram limitar os riscos e incertezas provenientes dos regulamentos e licenciamentos locais.»

Não poderia concordar mais com a crítica aos planos de ordenamento. Quanto aos investidores, discordo: a avaliar pela quantidade de lotes edificáveis por construir e de fogos habitacionais a estrear que se encontram vazios por todo o país, parece que pelo menos até 2007 os investidores correram demasiados riscos. Uns com dinheiro emprestado (vide os fundos imobiliários mutuários do BPN), outros com verbas próprias.