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segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Será que o Turismo pode matar o Turismo?

Muito se tem falado do aumento do turismo em Portugal. Recordes sobre recordes são anunciados: nas chegadas, nas dormidas, nas receitas. Todos embandeiram em arco porque no imediato são só benefícios.

No entanto, os 44 anos que tenho dedicado a acompanhar o desenvolvimento deste sector de actividade levam-me a pensar em alguns clichés que estiveram sempre presentes ao longo destes anos.

E um deles é que “Portugal não tem espaço para um turismo de massas de qualidade”. Já uma vez abordei ao de leve esta temática mas hoje resolvi voltar a ela com mais profundidade.

De facto, Portugal tem condições únicas de atractividade turística. Um território muito diversificado, desde as praias à montanha, passando pela planície e peneplanície, pela sua bacia hidrográfica (a maior da europa proporcionalmente ao seu território), pelos seus vales mais ou menos profundos, etc.
Por outro lado, tem um património histórico muito relevante, quer em termos de património edificado quer imaterial com grandes repercussões na história da humanidade, como sejam a gastronomia, os seus usos e costumes, o seu artesanato, etc.

E por último mas não menos importante, uma população que normalmente acolhe bem os seus visitantes.

Por todos estes motivos e certamente outros menos significativos, tornámo-nos num destino apetecível, tanto mais porque somos ainda um destino low cost.

É claro que estes factos levam a que todo o tipo de pessoas, de todas as classes sociais nos procurem. O problema começa quando estas pessoas, fora da sua área de residência, começam a ter comportamentos diferentes e muitas vezes desviantes.

Vemos com alguma frequência notícias de comportamentos menos adequados de alguns grupos de cidadãos quando saem em turismo das suas residências. Muitas vezes até por quererem transformar essas viagens em algo que se torne inesquecível nas suas vidas. E nesse caso excedem-se em termos comportamentais como se o mundo fosse acabar e tivessem de aproveitar todos os minutos ou dispusessem apenas desses momentos para se divertir.

Outros há que mantêm o seu padrão comportamental normal sem desvios e sem deixar de tornar a sua estadia em momentos inesquecíveis. E é aqui que poderá começar o conflito entre os vários tipos de turistas. Uns para poderem tornar os seus momentos inesquecíveis entram em “conflito” com outros cujas experiências podem ser prejudicadas pelos comportamentos desviantes dos primeiros.

E estas duas correntes repelem-se, podendo uma “matar” a outra!

Caracterizando estas duas correntes de outra forma, poderemos dizer que a primeira será uma clientela “low cost” que gasta pouco e que só será rentável se forem muitos e daí se chamar turismo de massas. Esta clientela precisa de espaço, lojas e estabelecimentos de baixo custo e interferem muito com a população residente, perturbando o ritmo normal da sua vida. Utilizam preferencialmente o alojamento local por ser mais barato e sem qualquer outro critério de escolha que não seja o preço e procuram essencialmente o divertimento, sendo os restantes critérios secundários.

A outra é uma clientela com critérios de escolha muito diferente. O preço não é certamente o seu critério prioritário. Antes pelo contrário, os seus critérios prioritários prendem-se com a segurança, a qualidade dos espaços que utiliza, hotelaria, restauração, propostas de animação cultural, visitas ao património por forma a transformar a sua visita num acontecimento inesquecível. E sobretudo é uma clientela que volta em contraste com a outra que vem e normalmente não volta. 

E é no confronto entre estas duas clientelas que tudo se joga. Com o desenvolvimento do Alojamento Local estamos a criar condições para fomentar um tipo de clientela que não nos interessa em detrimento daquela que nos traz riqueza, tranquilidade e boa fruição do espaço.

É claro que, como em tudo o que nos rodeia, a excepção apenas confirma a regra, mas é dentro desta ideia que levanto a questão inicial: poderá o turismo matar o turismo?

Estou convicto que sim se não tivermos cuidado com o desenvolvimento que se implementar. Muito dificilmente o nosso turismo actual sobreviverá se não controlarmos o desenvolvimento do turismo de massas. Promover um turismo de qualidade em Portugal será promover um turismo sustentável, em que boas experiências serão potenciais impulsionadoras de outras. O chamado turismo de massas, não sendo sustentável, poderá, se desenvolvido de forma anárquica, matar a galinha dos ovos de ouro.

Não sendo o sector do turismo um sector que necessite de grandes intervenções estatais, importa no entanto regulamentá-lo minimamente e nesta regulamentação deverão ser tidas em linha de conta as prioridades do turismo nacional. E a grande prioridade será um equilíbrio entre estas duas realidades que permitam a sua existência sem que uma possa aniquilar a outra. E uma das formas será certamente regulamentar um pouco mais o alojamento local introduzindo critérios mínimos de qualidade.

Numa altura em que o World Travel Awards elegeu Portugal como o melhor destino turístico do mundo, importa pensar um pouco nesta realidade.

PS. Por opção pessoal, o articulista não usa o novo acordo ortográfico

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Por Rui Soares Franco
Consultor Turismo

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