Num primeiro texto analisámos a natureza jurídica da herança indivisa e o tratamento fiscal da partilha e da transmissão do quinhão hereditário em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”); neste segundo, abordaremos tais realidades em sede de Imposto do Selo (“IS”) e Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”).
Apenas há incidência de IMT e IS (da verba 1.1 da Tabela Geral) nas partilhas em que exista adjudicação de imóveis que exceda a quota-parte ideal detida na herança e aquando da alienação onerosa do quinhão hereditário.
A doação de quinhão está também sujeita ao IS da verba 1.2., tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) defendido por meio de informação vinculativa no processo n.º 2015001598 que também a renúncia ao pagamento de tornas se encontra sujeita a tributação nos termos da mencionada verba.
Persistem, no entanto, questões relativamente à tributação da partilha em sede de IMT e IS (da verba 1.1.) que pela sua pertinência interessa igualmente abordar.
1 - Heranças compostas integralmente por imóveis - tributação pelo valor patrimonial tributário (VPT) ou pelo valor atribuído na partilha?
Considere-se a partilha de dois imóveis entre dois herdeiros, com os seguintes valores:
Sendo adjudicado um imóvel a cada herdeiro, os valores relevantes para a incidência de IMT deveriam corresponder aos atribuídos em partilha, porque superiores ao VPT. Detendo cada herdeiro uma quota-parte ideal de 50%, e sendo-lhes adjudicados imóveis no mesmo valor (€ 150.000), poderíamos ser tentados a concluir não existir excesso e, em consequência, que o valor da liquidação de IMT e IS (verba 1.1), no caso em análise, corresponderia a 0.
Não obstante, tenho conhecimento de casos, no âmbito da minha actividade profissional, em que a AT considerou haver excesso sujeito a tributação em sede de IMT e IS (verba 1.1) numa situação como a enunciada, verificando-se que o herdeiro 1 tem uma quota-parte ideal correspondente a € 110.000 e acaba por receber em partilha um bem imóvel com um VPT no valor de € 120.000. Isto significa que, neste caso, a liquidação promovida pela AT afere a desproporção tendo por base a maior diferença verificada (na comparação entre VPTs ou entre valores atribuídos).
2- Tributação de heranças mistas, compostas por bens móveis e imóveis
Se numa partilha exclusivamente de bens imóveis há já questões a ponderar, maiores dúvidas se suscitam nos casos que integram simultaneamente móveis. Considere-se a partilha entre dois herdeiros (detendo cada um uma quota-parte ideal de 50%), em herança composta por bens móveis e dois bens imóveis, nos seguintes termos:
Por efeito da partilha ambos os herdeiros recebem o mesmo valor, não havendo lugar ao pagamento de tornas.
No entanto, e na medida em que, na perspectiva da AT, a tributação em IMT e IS (verba 1.1) apenas atenta à desproporção em bens imóveis adjudicados em partilha, o certo é que o herdeiro 2 recebe imóveis em valor € 25.000 superior à respectiva quota-parte ideal, correspondente a € 275.000, havendo, portanto, um excesso sujeito a tributação.
3 – Articulação entre a tributação da partilha em IRS, por um lado, e em IMT e IS (verba 1.1), por outro
Considerem-se dois herdeiros (detendo cada um uma quota-parte ideal de 50%), que adjudicam em partilha dois imóveis, nos seguintes termos:
De acordo com o entendimento acima mencionado da AT, havendo uma desproporção superior na comparação entre VPTs, tributar-se-á o herdeiro 1 sobre o excesso (€ 25.000) face à respectiva quota-parte ideal (correspondente a € 125.000).
No entanto, os valores atribuídos em partilha determinam o pagamento de tornas pelo herdeiro 2, pelo que, nos termos da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) (cfr. acórdão referente ao processo n.º 07881/14, de 24 de Setembro de 2015) mencionado na primeira parte deste texto), tal configuraria uma aquisição onerosa para efeitos de IRS na parte (€ 10.000) em que os bens atribuídos excedam a respectiva quota-parte ideal (correspondente no caso a € 210.000). No entanto, neste caso, não fará sentido que o valor de aquisição do herdeiro 2 corresponda ao valor que serviu de base para efeitos da liquidação de IMT (nos termos do artigo 46.º, n.º 1, do Código do IRS), já que, para efeitos desse imposto, o sujeito passivo/adquirente correspondeu ao herdeiro 1.
A propósito da data de aquisição por partilha relevante para efeitos de tributação em IRS importará ainda referir o recente acórdão do STA no processo 0917/17, de 7 de Março de 2018, o qual, contrariando a mencionada jurisprudência do TCAS e a posição da AT (cfr. informação vinculativa no processo n.º 1866/2008), defende que, ainda que na partilha sejam adjudicados bens que excedam a quota-parte ideal, a data de aquisição relevante corresponde sempre à data do óbito.
Face às questões acima enunciadas, de enorme relevância social e estatística, a AT deveria rapidamente clarificar, por meio de doutrina administrativa, o tratamento fiscal da partilha e transmissão do quinhão hereditário, o qual está actualmente contaminado por um elevado casuísmo, muitas vezes ao sabor do entendimento de cada Serviço de Finanças.
Dadas as dificuldades e incertezas que rodeiam o tema é crucial que os herdeiros procurem aconselhamento jurídico-fiscal antes de procederem a tais actos.
PS: Agradeço aos meus Colegas Drs. Ana Rita Pereira e José Pedro Barros o auxílio na elaboração deste texto.
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Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
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