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quinta-feira, 3 de maio de 2018

Habitação: Novas políticas, velhos hábitos? - Parte II

Aqui há dias escrevia sobre o novo pacote de medidas no sector da habitação apresentado pelo Governo, muito assente em medidas direccionadas ao arrendamento e à reabilitação urbana. Vimos que apesar de algumas das medidas apresentadas serem meritórias, na realidade dificilmente serão executadas, pelo menos com a amplitude e abrangência que se pretende e que o mercado de arrendamento merecia.

Hoje gostaria de me debruçar, fundamentalmente, sobre o Projecto de Lei apresentado pelo PS para uma Nova Lei de Bases na Habitação.

Este Projecto de Lei tem pontos que para mim são importantes e relevantes, relacionados com a urbanidade, com o direito ao acesso a serviços públicos, com a valorização do habitat urbano e com a necessidade de promoção de uma política de transportes e mobilidade urbana.

Tem, no entanto, outros pontos que julgo serem perigosos para o mercado e que poderão claramente condicionar o futuro do imobiliário em Portugal. Refiro-me, essencialmente, aos artigos relacionados com a Função Social da Habitação e com os despejos.

Logo no seu artigo 4º é referido que o proprietário de uma habitação tem de fazer uso do seu bem de forma que contribua para o interesse geral. Daqui querer partir para um regime que penalize o proprietário por, por exemplo, manter uma propriedade devoluta permitindo ao Estado que faça uma requisição de um activo que é privado parece-me excessivo e perigoso. Querer tomar a posse de um bem privado para fins públicos é algo que não entendo num mercado que se quer livre e fundamentalmente de acção privada, além de todos bem sabermos que o próprio Estado é o primeiro a dar um mau exemplo quanto ao tratamento que dá ao seu próprio património imobiliário. 

O artigo 49º deveria ser logo dos primeiros. No seu nº 2 ao referir que «O Estado pode afectar a um Fundo Nacional os imóveis públicos devolutos (...)» diz muito sobre a filosofia inerente a este projecto de lei. É o que o Estado não pode... deve! Deve afectar imóveis públicos a um desígnio nacional, não deve nem pode é fazer uso da propriedade privada para esse fim.

O Estado tem outros meios, mais de cariz fiscal, para penalizar os proprietários que mantenham os seus imóveis devolutos durante um período alargado de tempo. Não necessita de os requisitar. Além disso, existem muitas propriedades nesse estado que são de emigrantes, que de forma legal e legítima compraram ou construíram uma casa para passarem pequenas temporadas ou para terem a sua habitação quando decidirem voltar ao nosso País. O INE, nos Censos 2011, referia que dos 5,86 milhões de alojamentos familiares clássicos existentes em Portugal, 68% eram de residência habitual, 19% de uso sazonal e 12% estavam vagos. Vamos penalizar todas estas pessoas?

Qualquer discussão séria que queiramos ter sobre o mercado de arrendamento em Portugal e sobre o direito à habitação tem de partir de um pressuposto: não existe nem nunca existiu mercado de arrendamento no nosso País por culpa do próprio Estado Português. Desde o congelamento de rendas, as sucessivas penalizações ao proprietário obrigando-o a exercer uma função social que deve ser do próprio Estado, a carga fiscal inerente à propriedade imobiliária, a dificuldade nos despejos apenas mais facilitada com a nova lei que entrou em vigor em 2012.

O grande problema do mercado de arrendamento está no lado da oferta. Não existe! Não existe porque não é financeiramente compensador investir em habitação para arrendamento, porque acarreta um risco que não é devidamente compensado: risco legal, risco fiscal, risco de ocupação. E este risco sempre foi colocado todo do lado do proprietário e nunca foi assumido pelo Estado.

Por isso, o Estado deve centrar a sua política na disponibilização de património público ao arrendamento habitacional. Com isto, conseguirá criar a oferta necessária para que possamos ter um mercado de arrendamento com condições de habitabilidade e rendas que os inquilinos possam pagar. Com o tempo, todo o mercado (público e privado) se irá adequar.

Quanto à questão dos despejos, o artigo 11º vem colocar novos entraves à sua concretização na 1ª habitação, desde logo impossibilitando os mesmos em caso de situação de insolvência ou insuficiência económica. Além disso, aparentemente os despejos passam a ser sazonais já que não poderão ser realizados nem nos meses de Inverno, nem nos períodos nocturnos.

Ora caso um inquilino não tenha condições económicas para pagamento de uma renda e incumpra no seu pagamento, não pode ser despejado? Ao invés do Estado assumir aqui o seu papel, atribuindo subsídios de renda ou garantindo alojamento alternativo, coloca-se mais uma vez a pressão sobre o proprietário impedindo-o de despejar um inquilino incumpridor.

Aquilo que me parece é que estamos a querer desenvolver uma lei muito focados numa conjuntura actual de mercado que tem afectado sobretudo as cidades de Lisboa e Porto. O que hoje passamos é conjuntural e territorialmente limitado e pretende-se aprovar uma lei generalizada a todo o território nacional e a todos os proprietários. É injusto e desproporcional. É um retrocesso: requisições, impossibilidade de realizar despejos, criação de comissões atrás de comissões, conselhos nacionais e locais, desenvolvimento de políticas, estratégias e relatórios nacionais e locais, controlo, fiscalização e avaliação dos mesmos, verificação periódica de propriedades (!)... está visto no que tudo isto vai dar. Arrisco dizer que depois disto, só mesmo novo congelamento de rendas ou criação de tectos máximos de renda em função dos rendimentos dos inquilinos com as consequências que já todos deveríamos conhecer.

Junte-se isto à pretensão do Bloco de Esquerda em terminar com os benefícios fiscais a estrangeiros residentes ou mesmo o seu Projecto de Lei nº 850/XIII/3ª a definir o conceito de "Assédio no Arrendamento" e temos os ingredientes todos preparados para matar o turismo e o imobiliário que tanto têm beneficiado a nossa economia nos anos mais recentes.

Bons negócios (imobiliários)!

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Por Gonçalo Nascimento Rodrigues
Main Thinker, Out of the Box

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