Hoje gostaria de vos falar de uma notícia que saiu no Jornal Expresso no passado fim-de-semana, sobre vendas de património do Estado. Ao que parece, o Estado tem vindo a alienar património imobiliário por si ocupado, passando a pagar rendas. Até aqui, parece-me tudo normal, ou seja, o Estado está a efectuar operações de sale & leaseback de imóveis que ocupa, algo que me parece lógico. O Estado, para mim, não deve ser proprietário imobiliário de escritórios e serviços que ocupe, deve antes ser arrendatário e passar a posição de proprietário para investidores.
Uma operação de sale & leaseback caracteriza-se pela venda de um imóvel, propriedade do vendedor, passando este para a posição de arrendatário desse mesmo imóvel. Pela venda, o proprietário recebe um valor acordado com o comprador, passando a pagar uma dada renda por um determinado período contratual.
Para o proprietário, trata-se de uma operação normal de financiamento da sua actividade com os seus próprios activos imobiliários, sendo uma operação bastante usual e até benéfica nos tempos que correm, de escassez de crédito bancário.
Sobre a forma como estas operações deverão ser estruturadas, da parte de proprietários e investidores, fica para uma outra oportunidade.
A notícia chamou-me a atenção para 2 aspectos: primeiro, ao que parece o Estado está a alienar património à Estamo, uma empresa do Grupo Parpública, detida pelo Estado. Parece-me estranho, vender imóveis a si próprio. Quem paga então? Mais estranho ainda é que o Estado passou a pagar rendas. Rendas! Não havendo um cash-flow líquido positivo nas contas do Estado (a mim, pessoalmente, pouco me interessa se é Estado ou universo empresarial do Estado, se é orçamento ou desorçamentação), passa então a haver um cash-outflow pelo pagamento de rendas? Quem ganha com isto? O Estado vende um imóvel, não recebe nada por ele (ou recebendo, tem de se endividar para o pagar) e ainda fica a pagar uma renda?!
Mais estranho ainda são as condições financeiras da venda. O artigo apresenta alguns exemplos em que a yield dos negócios rondou os 8%. Oito por cento?! Mas quem é que este Governo Socialista quer enganar?!
Se o Estado Português tem feito emissões de dívida a 10 e 15 anos sempre abaixo dos 5%, porque é que está a financiar-se a 8% com o seu património imobiliário? Não acredito que o Estado Português não consiga estruturar uma operação financeira com algum do seu património imobiliário a investidores qualificados por yields inferiores a 8%. Perdoem-me mas não acredito! E se o problema é perder a propriedade (justificação que encontro para vender à esfera empresarial do Estado), então que mantenham uma opção de recompra.
A minha pergunta é: Qual é o interesse em perder tanto dinheiro com operações destas? Quem ganha com isto, afinal?
Isto não me parece ser lá muito bom negócio (imobiliário)!
17 comentários:
Li hoje no DE uma notícia sobre os resultados da Parpública, onde se lê que esta já investiu € 400 M na compra de imóveis do Estado, com o objectivo de os rentabilizar. Para tal, teve de se endividar, tal como eu já calculava e referi aqui no meu artigo.
Isto só vem confirmar que o único objectivo do Estado é aumentar a dívida sem recorrer ao Orçamento de Estado, colocando imóveis em empresas estatais que, estas sim, se endividam.
A dívida global aumenta na mesma e a um custo superior: emitir obrigações custará menos de 5%, alienar imóveis à Estamo e Sagestamo custará qualquer coisa como 8%.
Caro Gonçalo Rodrigues,
Não nos conhecemos pessoalmente, mas reconheço que não está dentro da lógica da Industria Imobiliária.
Por vezes as noticias de Jornal, não correspondem à realidade.
O que o Estado está a fazer é a vender Imóveis a si próprio é verdade, mas saiem de "bolsos" diferentes.
Na divida publica não entram as contas da Parpublica ou da Estamo (que é a empresa gestora da 1ª), razão porque esta venda está em curso.
Outra questão é se esta venda não deveria ser entregue a privados por forma a rentabilizar os activos do Estado Portugues....e aí estou de acordo consigo.
Do que conheço da Parpublica e da Estamo, só posso dizer que têm excelentes profissionais e que cumprem ordens do Governo e bem.
Deste Governo tambem só posso dizer bem, está a tentar equilibrar a divida Pública, de forma inteligente e com pessoas que me merecem a maior credibilidade e profissionalismo.
A ùnica questão que coloco para discussão, independente de qual o Governo que esteja no Poder é se a Parpublica e a Estamo tem equipas pluridisciplinares que lhe permitam "valorizar e máximizar" o valor os seus imóveis; uma Yield de 8% não é um valor baixo, como diz, corresponde na linguagem leiga a uma taxa de rentabilização de 12.5% dos activos alienados...que na minha opinião deveriam passar para a esfera privada e não manter-se na esfera pública.
Quanto à operação nada a dizer, Parabens ao Secretário de Estado das Finanças, ao respectivo Ministro e a todos os envolvidos.
Acredite que é possivel fazer melhor, mas para quem sabe e está dedicado exclusivamente a este Mercado Imobiliário.
Caso queira trocar opiniões estou ao seu dispor, embora nada tenha a ver com o Estado Português.
Aceite os meus melhores cumprimentos
Júlio Macedo
Desorçamentação, apenas e só!
...e com custos para o erário publico!
Caro Júlio,
Quanto ao seu comentário, começo por lhe dizer que não entendi bem se sou eu que não entendo bem a "lógica imobiliária", se é o Estado, mas também não interessa, como disse que não nos conhecemos não deve ser para mim senão com certeza saberia se eu entendo a lógica imobiliária ou não.
Quanto resto, o importante:
- Que o dinheiro sai de bolsos diferentes, isso não é novidade e acho que o deixei bem claro. Esse é mesmo o problema, não resolver um problema de endividamento global do Estado e de rentabilização do património imobiliário;
- Como não resolve, acho que é claro do meu artigo que estas operações deveriam ser direccionadas a investidores privados;
- Nunca, no meu artigo, pus ninguém da Estamo ou da Sagestamo ou da Parpública em questão e era só o que mais faltava! Não os conheço, logo não posso, de todo, pôr em questão o seu trabalho, profissionalismo ou idoneidade em questão;
- Não posso dar os parabéns a uma operação, pelo que conheço, que não reduz o endividamento do Estado (bem pelo contrário), não rentabiliza o património imobiliário do Estado, não contribui para a entrada de mais investidores institucionais em Portugal;
- Tornando a questão um pouco mais "política", eu deste Governo não posso dizer bem em matéria de de equilíbrio das contas públicas nem de nenhum Governo que ache que as contas públicas se equilibram à custa de mais impostos. Foi só isto a que assistimos nos últimos 5 anos.
Um abraço e obrigado pelo comentário.
Depois destes comentários e de outros e-mails que recebi, devo acrescentar, para que não restem dúvidas, que este artigo não teve contornos políticos nem pretende ter.
Out of the Box é um blog técnico sobre Finanças Imobiliárias, não é um blog político.
Um abraço a todos e obrigado pelos vossos comentários.
Li hoje uma notícia sobra uma operação de sale & leaseback do BBVA por USD 446 M, feita com um consórcio entre RREEF Europe, Area Property Partners and Europa Capital.
Quem souber a yield subjacente, diga para compararmos com estas operações do Estado Português.
Considerações sobre execução orçamental, sub-orçamentação e qualidade dos agentes políticos à parte. Conhecendo a qualidade em geral dos edifícios onde os diversos organismos estatais estão instalados, surpreende-me pouco que a yield esteja na casa dos 8%. Qualquer valor abaixo, isso sim é que seria uma distorção do mercado.
O seu raciocínio tem subjacente que a operação do estado só seria correcta se a propriedade fosse transferida para terceiros e a uma yield inferior a 5%!!!! Como se trata de um valor completamente irrealista e fora do mercado, o que defende é completamente impossível.
Na realidade, o que se tratou (parece-me) é transferir a propriedade dos edifícios para uma empresa imobiliária (ainda que estatal) e arrendar os espaços às diversas organizações que ocupam os espaços mediante o pagamento de uma renda. Isto é bastante lógico e de acordo com os "livros", assim favorecendo uma ocupação mais racional e funcional dos espaços por parte dos ocupadores e, tal como em grupos económicos privados, entregar a gestão e propriedade de imóveis a empresas imobiliárias.
O problema de uma operação de sale & leaseback tal como a descreve é que o estado pagaria sempre em rendas um valor superior ao custo da sua dívida. Faz sentido em empresas privadas vender imóveis, pagar rendas 6-7% e obter rentabilidades no seu negócio core de 15-20%. No caso do estado não faz.
Cumps
Meu caro,
Você tem ligado o modo naif ou o modo irónico?
Confesso que não percebi!
grouchomarx
Caro Pigus Ibericus,
Obrigado pelo seu comentário. Peço-lhe atenção ao que escrevi, que não contraria em nada o que comentou.
A operação de sale & leaseback parece-lhe lógica a si e mim. Se leu com atenção, verá que escrevi que o Estado não deve ser proprietário dos imóveis que ocupa.
Não disse, em linha nenhuma, que a operação deveria ter sido feita abaixo de 5%, isso foi dedução sua. O que eu referi é que, sendo um sale & leaseback uma forma de financiamento, se o Estado se financia com obrigações abaixo de 5%, porquê estar a financiar-se com imóveis a 8%? O spread parece-me elevado demais...
É óbvio que nunca se poderia financiar com activos diferentes ao mesmo custo. À partida, um activo imobiliário tem mais risco que uma obrigação, logo deve pagar um yield superior.
Só que, neste tipo de operações de financiamento com imóveis, um dos principais riscos (senão mesmo o principal) é o risco de ocupador e esse, com o Estado, é extraordinariamente baixo. Por isso, acho que faz sentido conseguir atingir uma yield mais baixa, provavelmente entre 5% e 7%.
E na lógica daquilo que sempre escrevo e procuro explicar, cada imóvel é um imóvel e deve ser analisado independentemente de outros.
Caro Grouchomarx,
Este comentário é para si e para outros que intentem o mesmo: é a primeira e última vez que publico comentários destes!
Ou comenta do ponto de vista técnico, com conhecimento de causa e informação de suporte, ou não comente, de todo!
Comentários destes, dispenso eu e julgo que a esmagadora maioria dos leitores.
Caso pretenda (re)comentar este artigo, de acordo com as regras pré-estabelecidas desde o início, terei o maior prazer em publicar os seus comentários. Caso contrário, não voltarão a ser publicados.
Obrigado a todos pela vossa colaboração.
Estou de acordo com a opiniao do Julio.
O Estado tem como objectivo equilibrar as suas finanças e uma operacao de sale & lease back pode ser uma forma de diminuir o seu endividamento. A teoria economica diz que as empresas nao necessitamo de ser proprietarias dos seus imovieis (canalizando investimentos para o seu negocio core).
O patrimonio do Estado é vasto (o proprio estado nao tem uma ideia precisa de todos os seus imoveis) pelo que a decisao de canalizar a gestao dos imoveis dos estado para uma empresa especializada como Estamo parece-me uma boa decisao.
Alguns dos imoveis que a estamo adquire sao posteriormente colocados no mercado (depois das necessarias tarefas de legalizacao, obras, etc..) podendo os investidores privados adquirirem os imovies.
Os 8% parece-me razoavel (ainda que se tenha de ver activo a activo) pois com o estado como inquilino o risco de nao cobranca é baixo e possibilita futuras mais valias para a estamo caso consigam fazer um bom trabalho e colocar os activos no mecado a uma yield mais baixa.
Cumprimentos,
NT
O tom do seu comentário e as observações que fez (sic Oito por cento?! Mas quem é que este Governo Socialista quer enganar?!) sugerem que se trata de um negócio ruinoso e mal intencionado. Na realidade 8% é uma taxa de mercado e não faz muito sentido comparar directamente obrigações do tesouro com yields de negócios imobiliários.
Sugere também que o estado deveria desfazer-se de todo o seu património. Aí, está a aplicar a lógica de uma empresa privada ao estado. As empresas não imobiliárias desfazem-se de imobliário para limpar o balanço e investir os capitais provenientes das vendas no seu negócio obtendo por essa via retornos superiores aos pagamentos futuros de renda.
Não é o caso do Estado em que essa operação poderia diminuir o serviço da dívida mas a diminuição dos encargos com juros seria suplantada pela subida dos encargos com rendas.
Caro Pigs Ibericus,
O meu comentário e o artigo sugerem MESMO que acho que este é um mau negócio, não tenha disso dúvidas! Pelo menos, suportado nas informações que tenho, apenas isso. E não fugo nem fugi à minha opinião inicial: o Estado fazer operações de sale & leaseback a 8% não me parece um bom negócio.
Mas volto a frisar, cada imóvel é um imóvel, há casos e casos.
Não disse, em linha nenhuma, que o Estado deveria alienar TODOS os imóveis, antes os que ocupa com os serviços que presta. Mas, mais uma vez, cada caso é um caso!
Sobre a relação entre OT's e imobiliário, sugiro-lhe a leitura do texto publicado em Abril (http://out-of-the-boxthinking.blogspot.com/2010/04/divida-publica-e-o-imobiliario.html).
E por fim dizer-lhe que, ao contrário de si, acho que o Estado deve rentabilizar o seu património imobiliário com este tipo de operações, investindo o dinheiro no seu core-business, à luz do que as empresas privadas fazem. E o core-business do Estado é segurança, saúde, educação, bem-estar das populações, etc. E, tenho poucas dúvidas, o bem-estar dos Portugueses oferece um "retorno" superior... desde que bem aplicado, como qualquer outro investimento!
O Estado deve "investir" nas pessoas e deixar os investimentos imobiliários a privados.
Mais uma vez, obrigado pelos seus valiosos comentários e pela interessante discussão que esses estão a gerar.
Um abraço!
Caro Gonçalo,
Mas porque é que "fazer operações de sale & leaseback a 8% não me parece um bom negócio"?
Para haver emissoes de divida a 5% tem de haver investidores interessados em adquirir a divida portuguesa... e estes nao sao infinitos.
O S&L é uma forma alternativa de o governo se financiar pois os investidores que investem em imobiliario sao diferentes dos que investem em divida soberana.
Um abraço,
Nuno Torcato
Olá Nuno.
Antes de mais, obrigado pela valiosa participação.
Eu volto a insistir que 8%, para o Estado, parece-me muito caro.
Quanto ao resto, estamos todos de acordo com o mérito da operação. Ela faz sentido, o Estado deve usá-la, já o deveria ter feito há mais tempo.
Mas a 8%, com a Parpública a endividar-se para o efeito... acho cara, sem cash-flow líquido para os cofres do Estado, com cash-outflow pelo pagamento de rendas... é pura desorçamentação, apenas isso.
Volto a frisar que 8% não me parece reflectir o risco de ocupador, podendo eventualmente reflectir o risco do próprio imóvel. Cada caso é um caso.
Os comentários do Tiago foram respondidos por e-mail porque não me parecia interessante estar a usar a caixa de comentários para falar de outro assunto diferente.
Obrigado a todos.
Nem de propósito... sobre este assunto leiam as notícias e artigos que sairam hoje:
http://www.ionline.pt/conteudo/77237-o-que-sao-1-224-000-euros-amigos-e-o-desconto-do-estado-ao-estado
http://www.oje.pt/suplementos/espacos-de-negocios/opiniao/a-venda-de-imoveis-do-estado
Saiu hoje a seguinte notícia: S&P pondera baixar "rating" da Parpublica após emissão de 1,5 mil milhões.
Valeu a pena?
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