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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A venda de imóveis da Banca

Recentemente, temos visto algumas campanhas de oferta de produtos de crédito habitação de imóveis da banca, ou seja, crédito mal-parado cujas casas foram executadas e ficaram propriedade dos Bancos. É inclusive frequente vermos LTV's de 100% e spreads competitivos, algo que o "normal" mutuário não conseguirá negociar, com certeza, hoje em dia. Há até quem ofereça o recheio da casa...

O Diário Económico noticia que os spreads praticados pelos Bancos para essas casas podem atingir os 1,5 pontos percentuais (p.p.)., ao passo que num crédito habitação normal pode ficar acima dos 4 p.p.. Mais ainda, o loan-to-value (LTV) nos empréstimos das casas da banca pode chegar a 100%, enquanto que nos outros casos, não deverá ficar acima de 80%. E isto para não falar de outras "benesses", tais como isenções, bonificações de custos ou mesmo, como já referi, oferta do recheio da casa.

Para aqueles que julgam que isto só se passa por cá - "é mesmo à Português!"... desengane-se! Tal como cá, em Espanha acontece exactamente o mesmo, senão observe-se o seguinte gráfico:

Fonte: Organisation of Consumers and Users of Spain (OCU)

Em todos os Bancos observados nesta amostra, a taxa de juro média praticada nos imóveis sua propriedade fica bastante abaixo que nos restantes. O caso mais "gritante" é do Santander.

Parece-me que o Banco de Portugal deveria regular sobre este tema. Julgo não estar em causa qualquer tipo de ilegalidade e, sinceramente, não me choca muito isto que os Bancos estão a fazer. Talvez alguma "imoralidade"... existe tanta falta de liquidez, a Banca coloca tantos entraves, hoje em dia, na concessão de crédito, existem inúmeras empresas necessitadas de crédito, mas no que toca aos próprios imóveis da Banca... é num instante. Eu entendo que, nestes casos, não existe nenhum cash-outflow da banca, mas mesmo assim...

À parte disso, preocupa-me mais as consequências que estas políticas comerciais possam ter no próprio mercado imobiliário, isto porque podem criar uma concorrência desleal, senão veja-se:


No quadro acima, procurei fazer um exercício muito simples: para 2 casas comparáveis, sendo uma delas do Banco e a outra vendida em "mercado livre", com o mesmo preço de venda (€ 150.000), a aplicação do mesmo indexante (taxa de juro de 1,5%) e do mesmo prazo (30 anos), mas diferenciando o spread e o LTV, qual o valor da prestação mensal? A resposta: existe uma diferença de € 222,33 de custo mensal para o mutuário. Até aqui, tudo bem, o mutuário fica até a ganhar caso encontre uma casa do seu gosto na lista de casas que o Banco tenha para venda.

Mas fiz também outros dois exercícios: qual o preço máximo que o Banco pode cobrar por essa mesma casa para que a prestação mensal fique idêntica a um crédito habitação de uma casa vendida no mercado, ou, por outro lado, qual o montante que o mercado terá que desvalorizar para que as condições de financiamento sejam idênticas?

No primeiro caso, o Banco pode cobrar mais 35%! pela casa. No segundo caso, o mercado teria que baixar os preços em 26%. E é aqui que reside a minha (ligeira) apreensão... que os Bancos tenham a sua própria política comercial que favoreça os seus próprios imóveis, não me choca muito. Não devem, no entanto, fazer uso dela para criar sobrevalorizações fictícias no mercado ou "pressionar" a concorrência a baixar massivamente os preços para que consigam vender.

Mas atenção, os mutuários que não se deixem enganar: não é pelo facto da prestação ficar mais baixa que o negócio é bom. Uma casa valerá sempre pela sua localização, tipologia, acabamentos, orientação solar, etc., e não tanto pela forma como é financiada...

Bons negócios (imobiliários)!

4 comentários:

Paulo Duarte Sardinheiro disse...

Excelente Artigo Gonçalo

Parece-me que existe de facto uma certa concorrência desleal, na media em que o cidadão comum depende do financiamento bancário para aquisição de casa, e sendo este oferecido a 100% sobre o valor do imovel a opção para quem não tem opção passa mesmo por comprar o que é possivel comprar.

Há duas variaveis importantes na equação "compra de habitação": o valor do capital proprio a investir e o preço do imovel. Em ambas as variaveis os bancos conseguem apresentar melhores condições - 0% de capital proprio (parece-me que em certos casos oferecem o mobiliário) e o preço de aquisição que, como foram bens adquiridos aos empresarios e/ou particulares pelo valor da divida, a probabilidade do mesmo ser 20 a 30% abaixo da média do mercado é grande e real.

Espanha é um caso gritante de especulação imobiliária que ao rebentar não sei como ainda não levou o país à ruina.

No que toca ao turismo residencial continuam com níveis interessantes de colocação de imoveis no mercado. É frequente encontrar nos sites de divulgação de casas de férias para venda a indicação de apartamentos com vista golfe a partir de €50,000. Estes preços fazem um buzz enorme no sector e investidores "sanguinários" especialmente do reino unido rumam a sul à procura das grandes pechinchas. Para nós a unica alternativa é a qualidade - do produto e do serviço ou da experiencia que aqui encontram como um todo.

Na minha opinião haverá um pequeno boom na procura de habitação vendida pelos bancos em detrimento da restante oferta, penso que esse é um mal com que teremos conviver. Mas aos poucos as pessoas irão reconhecer que no estado actual da economia a mobilidade pode ditar o futuro e o arrendamento pode e deve ser uma opção a considerar.

No que toca ao conceito Lar, a qualidade do mesmo é um dos importantes factores de diferenciação, mas outros elementos se destacam tais como o bairro onde se insere, as acessibilidades ou centralidade do local, o valor historico e o ambiente envolvente protagonizado pelo velho jardim, praceta, ou pelo simples paseio em pedra de calçada . É aqui que a reabilitação ganha espaço, e não apenas no segmento alto, mas também no segmento médio, e um exemplo disso é o numero de empresas que vendem serviços de requalificação dos espaços interiores.

Apenas alguns pensamentos sobre a transformação imobiliaria que estamos a assistir. Forçada ou não a mudança da forma como encaramos a habitação veio para ficar e as estratégias da banca não deixam de ser legítimas, desleais, mas legítimas.

António Albuquerque disse...

Caro Gonçalo,
Partilho inteiramente as suas preocupações e, não sendo jurista, tenho algumas dúvidas em relação à legalidade destas práticas.
Em baixo transcrevo o artigo 4º do Regulamento Jurídico da Concorrência, que está na origem dessas dúvidas:
“SECÇÃO II
Práticas proibidas
Artigo 4.o
Práticas proibidas
1 — São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa;
b) Fixar, de forma directa ou indirecta, outras condições de transacção efectuadas no mesmo ou
em diferentes estádios do processo económico;

c) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
d) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
e) Aplicar, de forma sistemática ou ocasional, condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes;
f) Recusar, directa ou indirectamente, a compra ou venda de bens e a prestação de serviços;
g) Subordinar a celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objecto desses contratos."

Os excelentes argumentos que apresentou neste artigo, parecem encaixar demasiado bem em algumas das tipificações de práticas proibidas.
É óbvio que, entre empresas do sector financeiro, a concorrência está assegurada. Mas entre estas e as empresas do sector imobiliário, com as quais concorrem na venda de imóveis, tenho as maiores dúvidas que isso aconteça.

carlos carvalho disse...

É de facto imoral o que os bancos estão a fazer. Há ainda a acrescentar alguns casos ocorridos recentemente, com consultores imobiliários que tendo acompanhado clientes ao banco para iniciar processos de crédito para aquisição de determinados imóveis e viram os créditos rejeitados aos clientes. Posteriormente vieram a saber que as mesmas instituições bancárias que recusaram o crédito, chamaram os clientes de volta (à rebelia dos consultores imobiliários e com todo o histórico do cliente) e venderam os seus próprios imóveis. Penso que mais do que imoralidade, estamos a falar de má fé. Com que confiança se pode trabalhar com uma banca que se comporta desta forma?

Gonçalo Nascimento Rodrigues disse...

@ Carlos Carvalho,

Isso já é concorrência directa aos mediadores imobiliários e de forma feroz e altamente desleal.

Usam-se do trabalho comercial de uns para vender os próprios imóveis.

Gostava de ouvir a opinião da APEMIP sobre este assunto...