Por João Fonseca
Director
Área de Fundos de Investimento Imobiliário
Orey Gestão de Activos, SGFIM, SA
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Muito se fala sobre a reabilitação urbana, mas quando nos referimos a esta actividade imobiliária podemos nela incluir diversos tipos de intervenções, umas mais ortodoxas do que outras, como sejam:
1) Reconstrução com manutenção de fachada – demolição do miolo do edifício, construção de caves e estrutura;
2) Restauro – obra especializada, em que se procura repor o edifício no estado original, com recurso aos materiais e técnicas da época;
3) Reabilitação profunda – obras em que altera a compartimentação interior do edifício, se introduz elevador, e que exige um reforço estrutural do edifício;
4) Remodelação – intervenção mais ligeira, com poucas alterações à estrutura original do edifício.
Vamos analisar sumariamente estes tipos de intervenção e qual os fundamentos económicos que têm subjacentes.
A reconstrução de um edifício com manutenção de fachada é um tipo de intervenção com pouca reabilitação, e que se aplica a imóveis bastante degradados ou em que é possível ampliar a área total de construção acima do solo, mas em que a legislação de ordenamento territorial não permite a demolição integral, designadamente por se encontrarem em zona histórica. Este tipo de intervenção está sujeita às mesmas exigências de projectos de construção nova, pelo que é exigida a construção de estacionamentos, normalmente em cave.
São intervenções com custos elevados, pois exigem a demolição da construção original, a contenção de fachada, a construção em condições de acesso mais difíceis, e os riscos para as construções vizinhas. Normalmente estamos a falar de reconstrução de imóveis em boas localizações, pelo que o produto imobiliário resultante tem um preço de venda mais elevado, que incorpora todos os acréscimos de custos da intervenção.
O restauro é uma intervenção que pode ter muita relevância histórica e cultural, mas tem pouca racionalidade económica, em termos imobiliários, excepto se servir para impulsionar um projecto. Seria o caso do restauro de um palacete com interesse histórico para valorizar a envolvente onde se desenvolve um projecto imobiliário.
O restauro exige equipas muito especializadas, recurso a técnicas de reabilitação com custos elevados, a duração de execução é dilatada e obriga a licenciamentos prévios complexos. Em geral, deixamos o restauro para o Ministério da Cultura...
Analisemos agora de seguida os restantes dois tipos de intervenção: a reabilitação profunda e a remodelação, mais ligeira.
Em termos de produto final, a reabilitação profunda permite aproximar um edifício das exigências actuais, quer em termos de cumprimento de disposições legais, ao nível da segurança estrutural, do isolamento térmico e acústico, quer na satisfação das necessidades dos utilizadores, como seja a existência de elevador, uma distribuição mais moderna dos espaços interiores, etc.
O custo desta intervenção é elevado, pois as condições de trabalho não são fáceis e a intervenção, embora sendo selectiva, corre o risco de danificar alguns elementos que deveriam ser mantidos. Por vezes os custos destas intervenções ficam muito próximos dos custos das obras de reconstrução de edifícios.
Infelizmente, os imóveis resultantes da reabilitação profunda apresentam algumas deficiências que dificilmente são ultrapassadas, como sejam a inexistência de estacionamento no edifício, a maior transmissão de ruído entre pisos (não têm lajes em betão – as chamadas “placas”), etc.
Pelos motivos apresentados, os valores de venda de imóveis reabilitados não conseguem chegar aos valores dos imóveis reconstruídos, salvo raras excepções, em localizações muito privilegiadas, o que limita extremamente o tipo de intervenção a realizar.
Quanto ao último tipo de intervenção, a remodelação, refiro-me a obras de recuperação de um edifício, em que se repara ou substituem os elementos danificados – cobertura, vigas de madeira no pavimento; as redes prediais de água, esgotos e gás e coluna de electricidade, mas em que se mantém a estrutura original do edifício. Não há alterações estruturais profundas, como demolição de paredes de suporte para introdução de elevador ou alteração da compartimentação.
Este tipo de intervenção tem um custo bastante inferior ao da reabilitação profunda, mas o produto resultante não apresenta a mesma qualidade final, o que se reflecte em valores de venda mais baixos, mas que incorporam custos de construção reduzidos e prazos de desenvolvimento curtos – ou seja, com menor risco para o promotor.
A decisão sobre o tipo de intervenção de reabilitação num imóvel, reabilitação profunda ou remodelação ligeira, é bastante pertinente, em particular em zonas históricas, como seja a baixa Pombalina, em que a reconstrução não é uma opção alternativa.
Da minha experiência, sinto que o público em geral não valoriza o acréscimo de custo de uma reabilitação profunda, quando comparada com uma remodelação ligeira. O que quero dizer é que os compradores, actualmente, ainda não estão dispostos a pagar o preço adicional para passar de um imóvel com uma remodelação ligeira para um imóvel sujeito a uma reabilitação profunda.
Um exemplo: um apartamento remodelado na zona da Lapa tem, hoje em dia, um valor entre 2.250 a 2.500 Eur/m2, enquanto que um prédio com uma reabilitação profunda, nesta zona, dificilmente ultrapassa os 2.750 a 3.000 Eur/m2. Esta diferença de 500 Eur/m2 muitas vezes não chega para compensar o acréscimo de custo da intervenção ligeira para a intervenção profunda (comparamos um custo médio de aproximadamente 400 Eur/m2 para a remodelação com um custo que pode aproximar-se de 1.000 Eur/m2 para a reabilitação), para não falar das diferenças respeitantes aos prazos de licenciamento e duração da intervenção.
Peço a vossa colaboração, com exemplos que corroborem ou contrariem as opiniões aqui transmitidas!
Bons negócios (de reabilitação)!
5 comentários:
Caro João Fonseca,
Talvez falte a figura da Demolição/Construção. Em Lisboa um grande número de prédios não tem qualidade construtiva e até arquitectónica que justifique mante-los de pé.
Luis Sá Pereira
Parabens pelo artigo bem estruturado e esclarecedor.
Em termos gerais concordo com tudo o que foi dito, e até acrescento que não é só o público em geral que tem dificuldade em conseguir distinguir as diferenças entre os vários níveis de reabilitação.
Já tive oportunidade de experienciar na 1ª pessoa situações de pessoas ligadas à mediação imobiliária que não conseguem distinguir in-loco uma reconstrução com manutenção de fachada de uma reabilitação. Isto mesmo existindo cave para estacionamento e acréscimo de pisos. Não admira que o desconhecimento por parte do público em geral seja grande.
Acho portanto que sem dúvida mais informação deveria ser prestada aos clientes relativamente ao tipo de intervenção feita. É por exemplo muito ingrato quando se faz prospecção de preços pela internet, tentar "adivinhar" se o apartamento X está num prédio que foi alvo de uma remodelação ou reabilitação profunda. Mas claro que quem faça apenas uma remodelação prefere esta zona cinzenta de poder ser confundido com uma reabilitação profunda.
Caro Agitador,
Obrigado pelos comentários.
De facto, o conceito geral de "reabilitação urbana" também podia incluir a Demolição/Construção nos casos em que os imóveis não tenham qualquer valor histórico ou interesse que justifique a sua preservação e o objectivo pretendido seja a recuperação de zonas urbanas abandonadas ou degradas. Nesse caso não se trata de reabilitação de um edifício, mas sim reabilitação da zona onde ele está integrado.
João Fonseca
Caro João Matos,
Compreendo as questões que está a levantar, mas a realidade é que quem manda é o cliente que compra. Assim, por melhor que seja o projecto de reabilitação, se os compradores não valorizarem o acréscimo de custo numa reabilitação mais profunda e cuidada, talvez seja melhor enveredar por outras formas de reabilitação ou recuperação mais simples e económicas, que sejam compatíveis com as expectativas de retorno do investimento.
Cumprimentos,
João Fonseca
Caro João Fonseca, como é óbvio concordo consigo no ponto em que refere que para o investidor é eventualmente preferível optar por soluções de reabilitação mais simples e económicas. E tal como referi, se esse investidor conseguir passar a ideia ao cliente de que as obras foram mais profundas do que na realidade, então tanto melhor para o retorno do investimento.
O problema é o impacto no mercado de reabilitação e para a sociedade como um todo se todas os investidores tivessem esta posição (o que na verdade é o que acontece para a maioria deles). Se tomarmos em consideração um prédio antigo no centro da cidade cujo estado de deterioração (tipicamente por estar devoluto há dezenas de anos) já chegou a um ponto tal em que uma recuperação simples já não basta, e é preciso uma reabilitação profunda, das duas uma: ou o proprietário deixa que o mesmo se continue a degradar até tal ponto em que o mesmo caia para que possa fazer um edifício novo de raiz; ou uma vez que não lhe é permitido mandar abaixo a fachada (sendo edifício histórico) vai ter de incorrer numa reabilitação muito mais cara.
Assim, se o mercado continuar a não conseguir transmitir aos clientes a razão dos valores mais elevados de muitas reabilitações profundas (ou se a ortodoxia das autoridades se mantiver quanto à “protecção do património arquitectónico”), o panorama decrépito das cidades portuguesas irá prolongar-se por muitos e muitos anos, porque todos os investidores racionais fugirão deste tipo de situações que dão mais dores de cabeça que retorno do investimento.
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